A antropologia cultural é uma das quatro áreas da
antropologia geral (four-field-approach), junto com a antropologia física
(também conhecida como antropologia biológica), a arqueologia e a linguística.
A Antropologia Cultural estuda a diversidade cultural humana, tanto de grupos
contemporâneos, como extintos. Diverge da antropologia social na medida em que
o conceito de sociedade é mais abrangente que o de cultura. O presente trabalho discute sobre o
processo de ensino-aprendizagem de saberes locais na Comunidade, numa altura em
que o novo currículo do ensino básico em Moçambique, concebido em 2003,
reformulando o currículo do Sistema Nacional de Educação.
O
interesse pelo estudo dos aspectos que garantem a sobrevivência da cultura
chope, enquadra-se nos estudos de micro-contextos para o resgate de saberes
locais para respectiva integração nos programas de ensino. A inclusão de
saberes locais dinamiza o processo de ensino-aprendizagem, aproxima e
contextualiza, de certa maneira, a cultura local na escola moderna. A presente
pesquisa insere-se também num contexto em que se valoriza a construção,
sistematização e divulgação de conhecimentos novos a partir da comunidade,
valorizando todo o tipo de fontes disponíveis.
·
Estudar o conceito antropológico da
cultura.
·
Definir a cultura e a sociedade;
·
Caracterizar o conceito antropológico da
cultura;
·
Descrever a diversidade cultural.
Para a realização do trabalho recorremos a diversas
fontes com a finalidade de reunir uma informação satisfatória e de fácil
compressão através de consulta de obras, revisões bibliográficas e pesquisas
que efectuamos na biblioteca electrónica, que versam sobre o tema em destaque
nas quais vem mencionadas no fim do trabalho.
Os conceitos que damos ao nome cultura estão entre
as noções mais usadas na sociologia. A “cultura” pelo que conhecemos pode ser
conceitualmente diferenciada de “sociedade”, mas há conexões muito próximas
entre essas noções. Uma sociedade é umsistema de inter-relações que conecta os
indivíduos uns com os outros.
A Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos são
sociedades nesse sentido. Incluem milhões de pessoas. Outras, como as primeiras
sociedades de caçadores e colectores, podem ser tão pequenas quanto 30 ou até
40 pessoas. Todas as sociedades são unidas pelo fato de que seus membros são
organizados em relações sociais estruturadas, de acordo com uma cultura única.
Porém, acima de todo o conhecimento histórico da humanidade, nenhuma cultura
poderia existir sem cultura.
Sem cultura, não seriamos nem sequer “humanos”, no
sentido em que comummente entendemos esse termo. Não teríamos línguas em que
nos expressar, nenhuma noção de autoconsciência e nossa habilidade de pensar e
raciocinar seria severamente limitada. Esses elementos culturais são
compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a
comunicação, formando o contexto comum em que os indivíduos numa sociedade
vivem suas vidas.
Essas ideias abstractas ou valores dão sentido e
fornecem direcção aos humanos enquanto estes interagem com o mundo social.
As normas são regras de comportamento que reflectem
ou incorporam os valores de uma cultura. Os valores e as normas trabalham em
conjunto para moldar a forma como os membros de uma cultura se comportam dentro
de seus limites. Os valores e as normas variam enormemente através das
culturas.
Algumas culturas valorizam altamente o
individualismo, enquanto outras podem colocar maior ênfase em necessidades em
comum. Mesmo dentro de uma sociedade ou comunidade, os valores podem ser
contraditórios:
·
Alguns grupos ou indivíduos podem
valorizar crenças religiosas tradicionais, enquanto outros podem enfatizar o
progresso da ciência, assim como há pessoas que preferem conforto material e
sucesso, e outras que podem preferir a simplicidade e uma vida tranquila.
Muitas normas que consideramos naturais em nossas
vidas pessoais, como relações sexuais pré-matrimoniais e casais vivendo juntos
sem estarem casados, contradiziam valores sustentados há poucas décadas.
No ano 2000, uma comissão do governo japonês
publicou um relatórios que resumiu as principais metas para o Japão no século
XXI. As principais descobertas da comissão surpreenderam muitas pessoas: os
cidadãos japoneses precisam perder seu apego a alguns de seus valores
principais se o país quiser enfrentar as suas actuais mazelas sociais com
sucesso.
Normas e valores culturais são profundamente
incrustados e é muito cedo para dizer se um mandato governamental terá sucesso
em alterar os valores japoneses tradicionais. Muitos de nossos comportamentos e
hábitos quotidianos são fundados em normas culturais. Um exemplo claro disso
pode ser visto na forma como as pessoas sorriem, particularmente em contextos
públicos através de diferentes culturas.
O símbolo de certos objectos, acções e instituições
é a base da compreensão da cultura. O homem vive entre dois espaços que se
completam; o referente – o espaço exterior e o espaço ou mundo simbólico ou
imagético.
Strauss (1960; 19) afirma que o problema do
simbólico toca a cultura e a sociedade na sua globalidade e toda a cultura é um
conjunto de comunicações.
·
A cultura é simbólica, ela é um comporte
de desígnios e valores, transmitidos necessariamente através de símbolos e
sinais. O símbolo pressupõe dois pólos, pólo emissor e pólo receptor, a cultura
é social e esta é uma das características básicas de cultura e neste âmbito
importa referir que nenhum membro de uma sociedade é desprovido completamente
de cultura.
·
O carácter simbólico da cultura permite
que ela seja transmitida, comunicada entre todos os membros da sociedade.
·
Os hábitos e costumes, os padrões de
comportamento são processos sociais.
·
A cultura pertence ao grupo humano, por
isso é social, ela transmite-se por meio da sociedade, o indivíduo atinge
cultura socialmente transmitida por alguém que age em nome da sociedade.
·
A cultura é dinâmica e estável, pois ela
forma identidades e tradição e a constitucionalização de padrões de
comportamento, tradição não significa repetição, ela evolui, e dinâmica, ela
respeita a lei da vida, isto é, as mudanças podem ser pequenas ou grandes,
despercebidas ou violentas, ou conscientes ou inconscientes. Mudanças
despercebidas quando a própria natureza de aprendizagem que determina uma
transformação tente mudanças conscientes. A Cultura também experimenta mudanças
desejadas e violentas quando há encontros culturais a mudança ocorre em razão
das novas necessidades provocadas por novas situações.
·
A cultura é selectiva, ela é contínua
num processo que implica sempre reformulações e a própria cultura é subjectiva.
·
A cultura é universal e é um fenómeno,
pois, nunca se constatou a existência do ser humano sem cultura. Cada membro da
sociedade tem seu interesse próprio, dentro da cultura a que pertence, cada
grupo alimenta os seus interesses e tarefas dentro de um conjunto cultural
próprio, assim se forma os padrões regionais e culturais, conforme as situações
próprias e as necessidades particulares.
·
A cultura é determinante, pois determina
em parte o comportamento humano. Ela é responsável pela padronização do
comportamento humano. E precisamente por este ser determinante de cultura que
permite a existência de ciência de comportamento.
·
A cultura humana é determinada, ela vem
se transformando ao longo do tempo influenciando-se por factores tais como
modificações demográficas, sociais e culturais.
A Cultura Material e Imaterial representam os dois
tipos de património cultural, e que juntos constituem a cultura de determinado
grupo. A cultura material está associada aos elementos materiais e, portanto, é
formada por elementos palpáveis e concretos, por exemplo, obras de arte e
igrejas. Já a cultura imaterial está relacionada com os elementos espirituais
ou abstractos, por exemplo, os saberes e os modos de fazer.
Ambas possuem aspectos simbólicos, posto que
carregam a herança cultural de determinado povo, ao mesmo tempo que promovem
sua identidade.
Associada aos elementos concretos de uma sociedade
está a cultura material ou o património cultural material. Esses elementos
foram sendo criados ao longo do tempo e, portanto, representam a história de
determinado povo. Diversas edificações, objectos artísticos e quotidianos,
fazem parte da cultura material, os quais são classificados de duas maneiras:
·
Bens
móveis: podem ser transportados e reúnem os acervos e
colecções.
·
Bens
imóveis: são estruturas fixas e representam os centros
históricos, sítios arqueológicos, etc.
Exemplos
de Bens Materiais:
·
Vestimentas;
·
Museus;
·
Teatros;
·
Igrejas;
·
Praças;
·
Universidades;
·
Monumentos;
·
Obras de Arte;
·
Utensílios;
Este património cultural imaterial, transmitido de
geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em
função do seu meio envolvente, da sua interacção com a natureza e da sua
história, e confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade,
contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural e a
criatividade humana.”
Exemplos
de Bens Imateriais:
·
Danças;
·
Músicas;
·
Literatura;
·
Linguagem;
·
Culinária;
·
Rituais;
·
Festas;
·
Feiras;
·
Lendas.
A diversidade cultural não convém apenas as crenças
culturais que diferem através das culturas. A diversidade das práticas e do
comportamento humano é também notável. Formas aceitáveis de comportamento
variam amplamente de cultura para cultura e, com frequência, constatam
drasticamente com o que as pessoas das sociedades ocidentais consideram
“normais”.
No Ocidente, comemos ostras, mas não comemos
gatinhos ou cães de estimação, sendo que ambos são considerados especiarias em
algumas partes do mundo. Os judeus não comem carne de porco, enquanto os
indianos comem porco e evitam carne de gado. As pequenas sociedades, como as
sociedades primitivas de caçadores e colectores, tendem a ser culturalmente
uniformes ou monoculturais.
O Japão, por exemplo, tem se mantido bastante
monocultural e são também marcados por altos índices de homogeneidade cultural.
A maioria das sociedades industrializadas, contudo, está tornando-se
culturalmente mais diversa, ou multicultural. Nas outras cidades mais modernas,
por exemplo, muitas comunidades subculturais vivem lado a lado, indianos ocidentais,
paquistaneses, indianos, italianos, gregos e chineses podem todos hoje ser
encontrados no centro de Londres.
As subculturas não se referem somente a grupos
étnicos ou linguísticos dentro de uma sociedade maior que tem como âmbitos
muito amplos e podem incluir naturalistas, góticos, hackers, hippies,
rastafáris, fãs de hip-hop ou torcedores de times de futebol.
Toda cultura tem seus próprios padrões de
comportamento, os quais parecem estranhos às pessoas de outras formações
culturais. O reggae é um estilo de música suave, onde as pessoas que entendem
de música popular ouvem a canção, elas são capazes, muitas vezes, de detectar
as influências estilísticas que ajudaram a forma-la.
Cada estilo musical, afinal, representa um modo
único de combinar ritmo, melodia, harmonia e letras. Diferentes estilos
musicais tendem a surgir de diferentes grupos sociais, e estudar como os
estilos se combinam e se fundem é uma boa maneira de mapear os contactos entre
os grupos. As raízes do reggae podem ser rastreadas até a África Ocidental.
A cultura pode ser dinâmica ou estável. Ela é
estável (identidade, tradição) enquanto se sublinha a tradição é a
institucionalização de padrões de comportamento. Tradição não significa
repetição (BOKA DI MPASI, 1986).
De acordo com MARTINEZ (2003: p. 42), a cultura é
dinâmica pois este em constante transformação, obedecendo os seguintes
aspectos:
·
Lei
de vida: a cultura muda, como um ser vivo (exemplo do
corpo…); as mudanças podem ser pequenas ou grandes, despercebidas ou violentas;
·
Mudanças
despercebidas: a própria natureza da aprendizagem lhe
determina uma transformação lenta;
·
Mudança
consciente: a cultura também experimenta a mudança
desejada e consciente;
·
Mudanças
violentas: encontros culturais: a mudança ocorre em razão de
novas necessidades provocadas pelas novas situações.
O estudo e apreensão de condições
sócio-culturais de comunidades antes não divulgadas contribuem para a
interacção entre os saberes locais e para a construção de uma perspectiva
global. Partindo do papel da escola como mobilizadora das condições para a
concretização do saber local, com o artigo pretende-se conhecer o processo do
resgate e da integração destes no currículo do ensino básico do II grau, numa
altura em que o plano curricular, concebido pelo MINED (2003), e em sintonia
com as linhas de pesquisa da Universidade Pedagógica, recomendam a pesquisa e
integração de conteúdos locais no currículo oficial.
Em parte, conjectura-se existir um
diapasão entre os saberes locais pretendidos pela comunidade e a leccionação
destes pela escola. De facto, as evidências indicam que um dos grandes desafios
é como partir do ensino de saberes locais num contexto de globalização, como
referencia LOPES (1999), para atribuir significados universais aos conteúdos
ministrados a nível local, para que, numa sociedade multicultural, o aluno
saiba aceitar a diferenciação e o diverso como base das relações sociais.
Os saberes locais fazem parte das
temáticas mais discutidas, hoje, no campo de educação. São discutidos porque o
paradigma educacional tende a adaptar-se às condições concretas da vida das
pessoas. No contexto actual, a escola se interessa, para sustentar a sua
prática educativa, pela sua inserção na comunidade e pelo reconhecimento de
saberes localizados nela. O interesse pela comunidade tem como objectivo
estabelecer as relações de diálogo entre a própria comunidade e a escola, entre
os saberes locais das comunidades e os saberes universais para o
desenvolvimento da prática educativa.
A abordagem sobre os saberes locais
não é totalmente nova no sistema escolar. Por exemplo, BASÍLIO (2006) refere
que o currículo colonial já previa a integração dos saberes locais. O mesmo
autor refere ainda, que é a partir dessa perspectiva, que os antropólogos
missionários discursavam em volta dos saberes locais, das culturas locais e das
línguas locais. Porém, os objectivos e métodos pautavam-se no processo de
evangelização e dominação portuguesa. A cultura local era tomada como uma
questão estratégica para converter e assimilar os africanos. A intenção era
usar os saberes locais para realizar com facilidade o processo de colonização e
de conversão.
Segundo BASÍLIO (2006:23) “em
Moçambique, o primeiro trabalho realizado por missionários ligados aos saberes
locais foi o estudo etnolinguístico”. Ele refere que este trabalho
consistiu em estudar as línguas locais para traduzir a Bíblia. Traduzir a
Bíblia em língua local implicava conhecer a cultura do povo falante dessa
língua. Ora, os antropólogos implicados no processo passavam muito tempo a
conversar com os velhos para compreender as suas construções culturais.
As línguas locais serviam de meio
para apreender os saberes locais. Contudo, a tradução da Bíblia em línguas
locais trazia implicações políticas e culturais no seio dos nativos, porque
alguns conceitos locais eram ajustados segundo a intenção dos colonizadores. As
línguas locais e os saberes locais eram instrumentos para facilitar o trabalho
dos colonizadores em África. Assim, na produção e organização do conhecimento escolar,
os saberes locais eram segregados.
Os saberes não se reduzem ao puro
conhecimento nem ao conjunto de enunciados denotativos. Os saberes são um
conjunto de enunciados que carregam consigo mesmo, as noções de saber ser e
estar, saber fazer, saber escutar e o conhecer. Assim os “saberes” abrangem uma
gama de informações sistemáticas e não sistemáticas.
LYOTARD (1989) analisando a
pragmática do saber narrativo discute em volta do que são saberes. Para ele, os
saberes se fundamentam na competência que excede a determinação e aplicação do
mero critério da verdade. Os saberes dizem respeito à eficiência, à justiça e
felicidade, à beleza e normativa. LYOTARD afirma que “o saber é aquilo que
torna qualquer pessoa capaz de proferir bons enunciados denotativos, mas também
prescritivos, bons enunciados avaliados” (LYOTARD, 1989:47).
O que esta subjacente no trecho
acima é que o que saber é mais abrangente. Ele inclui os enunciados científicos
e culturais. Os enunciados científicos se fundamentam na metodologia e os
culturais na vida como um todo. Tal como afirma SITHOLE apud CAMUENDO
(2006: 70) “o saber local é aquele que se adquire ao longo da experiência da
vida e, é o produto da interacção entre seres humanos em função de contextos
culturais específicos de cada povo”. Este saber está intimamente ligado a
práticas de vivências culturais da população.
O antropólogo GEERTZ (1997:100)
afirma que “as formas de saber são sempre e inevitavelmente locais,
inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros”. GEERTZ analisa
vários fenómenos culturais de diversos povos para mostrar que os saberes locais
se manifestam “através de símbolos facialmente observáveis, um repertório
elaborado de designações” (id. 95). Para ele, o mundo é um palco onde os
actores fazem as suas construções culturais. Essas construções caracterizam a
mesma maneira como cada povo vive, convive e representam o universo dos saberes
locais.
Este trabalho está baseado para o estudo reflexivo da
Implementação do currículo local do ensino Básico com a seguinte abordagem:
Currículo local: Um olhar para a sua implementação no ensino Básico. O estudo
permite compreender o processo de construção do currículo local e sua
implementação. Este ensaio tem duas partes a considerar: a primeira discute de
forma breve os conceitos de currículo e do currículo local e na segunda parte
trás uma breve narração histórica da educação em Moçambique e faz um
enquadramento do currículo segundo as teorias do currículo e discute as
questões de recolha, sistematização, legitimação e implementação dos conteúdos
do currículo local.
Educação
(MINED Ministério)
Em 2004 a
Educação (MINED Ministério) introduziu inovações no Novo Currículo do ensino
Básico com base na transformação curricular de 2002; são elas: o “ciclo de
aprendizagem, ensino básico integrado, Currículo Local, distribuição de
professores, Progressão por ciclos de aprendizagem, línguas moçambicanas,
língua inglesa, ofícios, educação moral e cívica e educação musical”( INDE,
2003: 24- 31). Dentro dessas inovações, destacamos o currículo local, os
professores, a comunidade local como o foco do
estudo.
INDE (2003: 82),
entende o currículo local como sendo “o complemento do currículo oficial,
nacional, definido centralmente, que incorpora matérias diversas de vida ou de
interesse da comunidade local nas mais variadas disciplinas contempladas no
Plano de Estudos”. Este conceito mostra o vazio que existia ao abordarmos
apenas os conteúdos centralmente definidos e com a inclusão dos saber local
torna o ensino mais relevante e pode reforçar a interacção entre a escola e a
comunidade, ou seja, aquilo que era a cultura local ela já é valorizada e
discutida nos meandros da escola, e Basílio (2006:22) na sua dissertação argumenta esta posição que
o interesse da escola pela comunidade
tem como objectivo estabelecer as relações de diálogo entre a própria
comunidade e a escola, entre os saberes locais das comunidades e os saberes
universais para o desenvolvimento da prática educativa.
O currículo
local não pode ser um submundo em relação aos conceitos universais que são
mediadas na escola. Hoje ganharam um espaço privilegiado nos processos de
construção da nossa identidade e por isso mesmo, não raras vezes ouvimos as
expressões: “temos que voltar para as nossas raízes; temos que resgatar a nossa
identidade” querendo manifestar o sentimento de que estamos ficando demasiado “alienados”
pelos valores ocidentais esquecendo a nossa cultura. Aqui chamo submundo, os
saberes locais que são considerados marginais aos processos educativos na
escola. Durante muito tempo e, talvez, por razões históricas, o sistema
nacional de educação em Moçambique os nunca de forma nítida os saberes locais
foram constituintes do currículo.
Apesar da inclusão dos conteúdos locais na escola existem inúmeras
vicissitudes para a implementação. Umas estão ligados a questões estruturais do
sector (Formação inicial e capacitação de professores em exercício nos
primeiros ano da introdução do currículo) e a outra tem que ver com o próprio
processo de implementação do currículo local pelas direcções das escolas. De
forma especifica, estas dificuldades estavam ligadas a recolha, a selecção e
sistematização dos conteúdos, a gestão dos 20% do tempo lectivo, a fraca
participação da comunidade, a validação dos conteúdos do currículo local e a
avaliação ( cf. Básilio, 2006: 46).
Durante as minhas visitas de supervisão pedagógica as escolas fui
confrontado com problemas e perguntava aos professores se implementavam os
conteúdos do currículo local na sala de aula , eles diziam:
Primeiro
professor: eu implemento o currículo local na fase de introdução e motivação
porque quando eu quero introduzir, por exemplo, um tema sobre os rios de
Moçambique,começo primeiro por perguntar aos alunos se conhecem um rio aqui no
distrito e daí introduzo o novo tema”O segundo professor diz: “Implemento o
currículo local, por exemplo quando mando os meus alunos fazer cestos, tecer
capim,esteiras estou a implementar o currículo local”.
Os
dois depoimentos mostram que os professores estão conscientes da implementação
do currículo local. Ora, essas respostas explicitam uma limitação cognitiva na
abordagem dos conteúdos locais. Assim, demonstra que os professores precisam de
muito aprofundamento em relação a abordagem dos conteúdos do currículo local.
Um dos
objectivos do currículo local é de desenvolver nos alunos saberes locais,
dotando-lhes conhecimentos, habilidades, valores e atitudes que lhe permitam
ter uma participação plena no conhecimento social, cultural e econômica na sua
comunidade (INDE, 2011: 11). Ora, se se quer que os alunos tenham conhecimentos
locais e participem na vida cotidiana da comunidade deve-se trazer os
conhecimentos para a escola e discutir com os alunos porque “a escola é o único
lugar privilegiado para a construção de conhecimento sistemático” (
MINED/DNGGQ, 2013 ).
O
interesse pelo tema deste estudo tem a ver com a contribuição que vai emprestar
para os professores na leccionação dos saberes locais; também está relacionada
com experiências vividas no dia-a-dia do meu trabalho de apoio as escolas no
desenvolvimento Profissional continuo aos professores.Nós aprendemos através e
a fazer experiências. É com base nesta experiência e como pessoa interessada em
estudar fenômenos relacionados a educação, utilizarei estas experiências como
ponto de partida do estudo. Julgo ser um trabalho que em futuras situações
poderá servir para o conhecimento da grande contribuição dos saberes locais
poderá dar na vida dos alunos.
Esta dissertação proporcionará conhecimentos válidos
para os professores comecem a tomar atenção sobre o que os alunos perdem quando
não abordam os conteúdos do currículo local. Como Objectivo geral do estudo é analisar a implementação do currículo
local no processo de ensino-aprendizagem. De forma especifica, pretendo
analisar a participação da comunidade na implementação dos saberes locais na
escola e descrever as actividades que o professor realiza na construção do
currículo local na sala de aula.
Ao focalizarmos o estudo
para o currículo local no ensino Básico, tenho a plena consciência de que
existem muitos factores que contribuem para a sua implementação. Assim, o foco
desta pesquisa são os saberes locais, os professores e a comunidade local.Para
isso, a observação dos procedimentos, dos planos de aula, da conversa com
alguns membros da comunidade formam o objecto de observação do estudo.
O estudo
fundamentou-se na revisão literária, conversa com professores e o presidente do
Conselho de escola e no futuro e na observação de plano de aula e a curto prazo
irei assistir algumas aulas para poder entender os processos de construção currículo local na escola com a participação da comunidade.A
revisão literária permite fornecer a base teórica e empírica para a formulação
das hipóteses e traz contribuições mais importantes directamente ligados ao assunto. As
entrevistas foram dirigidas a alguns professores do ensino primário, pessoas
informantes da comunidade, directores de escola e pais e encarregados de
educação.
As entrevistas,
segundo MICHEL, M. (2009: 68) “fornecem maior amostragem, maior flexibilidade,
permitindo esclarecimentos, perguntas, confirmações etc., maior oportunidade
para obtenção de dados relevantes que não se encontram em fontes documentais,
possibilita obter informações, comprováveis de imediato, permite dados
quantificados e submetidos a tratamento estatístico
O ensino
da tecelagem começa teoricamente na 4ª classe e nas classes subsequentes são
realizadas diversas actividades práticas ligadas a esta actividade. As
actividades económicas, nomeadamente a agricultura, a pesca e a modelagem, são
ensinadas nos respectivos temas integradores nas disciplinas de Ofícios e
Ciências Naturais na 7ª classe. O culto dos antepassados é abordado com
destaque no II Ciclo na disciplina de Ciências Sociais onde são enaltecidos os
valores e importância desta prática nas famílias nomeadamente, kupahla,
phasseka e txidhilo. Ligado a esta temática, fala-se das religiões locais na
disciplina de Educação Moral e Cívica na 7ª classe. A gastronomia no contexto
do saber local é ensinada no respectivo tema integrador na disciplina da Língua
Portuguesa na 7ª classe.
Os ritos de
iniciação que no caso concreto desta escola fala-se da circuncisão masculina,
são ensinados na 6ª classe quando se fala da adolescência. De facto, no caso
concreto da EPC Eduardo Mondlane em Madendere, constatou-se, durante as aulas,
a ministração de saberes locais onde ambos sexos realizam as mesmas actividades
e assim, postula-se que, doravante, as raparigas daquela região sejam capazes
de realizar actividades práticas antes reservadas aos rapazes, embora, ao nível
familiar, executem, na base do género, tarefas tradicionalmente reservadas às
mulheres. Notou-se ainda que os alunos com domínio de certas práticas locais
são moderadores para ensinar os outros, prática que, aliás, tem sido a mais
usada.
Partindo
dos Programas das Disciplinas do ensino Básico (INDE/MINED, 2003) entende-se
que as Ciências Sociais no ensino básico, concorrem para formação integral do
aluno, ao integrarem as disciplinas de História, Geografia e Educação moral e
Cívica que, em parte, detêm conhecimentos que podem ser transmitidos de forma
transversal noutras disciplinas e classes. No caso do enfoque do presente
estudo, as Ciências Sociais do II Ciclo, concretamente na 4ª classe, o aluno
deve desenvolver competências e habilidades de apreciar a sua cultura,
respeitar direitos, padrões de comportamento e crenças de outros, reconhecer o
passado, desenvolver o sentido de auto-estima, reconstruir a sua história e da
sua aldeia. Para o efeito, são ministrados, em primeiro lugar, os conteúdos
sobre a família, onde se analisa o papel social, económico e cultural dos
membros da família dentro da comunidade, visando valorizar os elementos de
identificação cultural da zona onde a família está inserida. Em segundo, são
ministrados conteúdos ligados à história da escola e em terceiro, o conhecimento
do património e da tradição cultural da sua província, com intuito de
identificar os valores de cultura, costumes e tradições de outras comunidades
da sua província.
Na 5ª
classe, o aluno consolida o reconhecimento do passado ao reconstituir as formas
de vida das populações de há muito tempo e relacionar com a fixação de outros
povos, responsáveis pela configuração do actual património cultural do país,
caracterizado pela existência de diferentes grupos etnoculturais, isto é,
diferentes tradições culturais.
Constata-se
assim que os conteúdos apresentam interconexões partindo da realidade mais
próxima, observável e interpretável pelo aluno, usando conceitos de iniciação
conhecidos na língua local, para aceder à situações de aprendizagem mais
complexas, à medida que o aluno frequenta classes cada vez mais avançadas.
Reconhece-se,
neste contexto, que a língua é um pilar principal para obtenção de competências
básicas para o reconhecimento do passado e enquadramento de diversos conhecimentos
sobre a comunidade de modo que, partindo do tempo e do espaço, se estabeleçam
comparações com outras culturas que são difundidas pela globalização. Todavia,
a formação de um cidadão com uma visão multicultural torna-se um desafio, mesmo
sabendo-se que a apreciação da própria cultura local parte com o uso da língua
que, no caso particular, é o chope.
A
realidade demonstra que no que concerne às Ciências Sociais, o património
cultural chope embora seja conhecido pelos alunos oriundos da região, não é
resgatado pela escola para posterior sistematização, facto testemunhado pela
falta de informação já escrita resultante desse repertoriamento de conteúdos
locais pelos professores.
Estes
factos demonstram que, com a falta de sistematização destes saberes pela
escola, o aluno não é preparado para a organização e progressão científica dos
conhecimentos. Consequentemente, não tendo subsídios locais sólidos,
dificilmente poderá estabelecer comparações com outras realidades mais
longínquas, num contexto em que, segundo MINED/INDE (2003, p. 26 e 27), a real
integração acontece na escola onde o professor, a direcção e outros
interessados devem realizar diversas actividadesextra-curriculares, que
complementem o ensino-aprendizagem promovido na sala de aulas aproveitando
também todas as possibilidades envolventes na região.
As danças e os jogos tradicionais, o artesanato, os ritos de passagem, o
culto dos antepassados, o respeito pelas tradições, a estrutura sócio-familiar
e as actividades económicas locais de auto-sustento, são elementos sócio-culturais
que, segundo a comunidade, devem ser perpetuados e assim se defende a
integração definitiva destes no currículo local daquela comunidade. As
inovações trazidas pela miscigenação cultural num processo lento, não são
vistas como um processo de extinção da cultura chope.
Com o trabalho concluído, percebi que a Antropologia
Cultural tem como propósito o estudo do Homem e das sociedades humanas na sua
vertente cultural. A cultura é selectiva, ela é contínua num processo que
implica sempre reformulações e a própria cultura é subjectiva.A cultura é
universal e é um fenómeno, pois, nunca se constatou a existência do ser humano
sem cultura. Cada membro da sociedade tem seu interesse próprio, dentro da
cultura a que pertence, cada grupo alimenta os seus interesses e tarefas dentro
de um conjunto cultural próprio, assim se forma os padrões regionais e
culturais, conforme as situações próprias e as necessidades particulares.
Para a
presente pesquisa foi usada uma das metodologias usadas pelos historiadores das
mentalidades para captar os modos colectivos de vida que, segundo BARROS
(2008), tem sido a eleição de um privilegiado, na Comunidade, que funcione como
um lugar de projecção de atitudes colectivas desde que se considerem significativas
para a percepção de uma mentalidade cultural mais ampla.
·
BORGES, Alberto de campos. Topografia –
Aplicada à Engenharia Civil, Volume 1. Editora
EdgardBlücher, 1997.
·
GIDDENS, Anthony. Sociologia – 4ª Edição.
In: Cultura e Sociedade. Tradução Sandra Regina, Porto Alegre: Artmed, 2005, p.
39-56.
·
MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia
Cultural – Guia Para o Estudo. Edição Paulinas. Maputo. 2003.
·
BARROS, José D’Assunção. O campo da História:
Especialidades e abordagens. 5ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 222p.
·
FORQUIN, Jean-Claude. A escola e cultura: as bases e
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