terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Antropologia Cultural

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A antropologia cultural é uma das quatro áreas da antropologia geral (four-field-approach), junto com a antropologia física (também conhecida como antropologia biológica), a arqueologia e a linguística. A Antropologia Cultural estuda a diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos. Diverge da antropologia social na medida em que o conceito de sociedade é mais abrangente que o de cultura. O presente trabalho discute sobre o processo de ensino-aprendizagem de saberes locais na Comunidade, numa altura em que o novo currículo do ensino básico em Moçambique, concebido em 2003, reformulando o currículo do Sistema Nacional de Educação.
O interesse pelo estudo dos aspectos que garantem a sobrevivência da cultura chope, enquadra-se nos estudos de micro-contextos para o resgate de saberes locais para respectiva integração nos programas de ensino. A inclusão de saberes locais dinamiza o processo de ensino-aprendizagem, aproxima e contextualiza, de certa maneira, a cultura local na escola moderna. A presente pesquisa insere-se também num contexto em que se valoriza a construção, sistematização e divulgação de conhecimentos novos a partir da comunidade, valorizando todo o tipo de fontes disponíveis.

·         Estudar o conceito antropológico da cultura.
·         Definir a cultura e a sociedade;
·         Caracterizar o conceito antropológico da cultura;
·         Descrever a diversidade cultural.

Para a realização do trabalho recorremos a diversas fontes com a finalidade de reunir uma informação satisfatória e de fácil compressão através de consulta de obras, revisões bibliográficas e pesquisas que efectuamos na biblioteca electrónica, que versam sobre o tema em destaque nas quais vem mencionadas no fim do trabalho.

Os conceitos que damos ao nome cultura estão entre as noções mais usadas na sociologia. A “cultura” pelo que conhecemos pode ser conceitualmente diferenciada de “sociedade”, mas há conexões muito próximas entre essas noções. Uma sociedade é umsistema de inter-relações que conecta os indivíduos uns com os outros.
A Grã-Bretanha, a França e os Estados Unidos são sociedades nesse sentido. Incluem milhões de pessoas. Outras, como as primeiras sociedades de caçadores e colectores, podem ser tão pequenas quanto 30 ou até 40 pessoas. Todas as sociedades são unidas pelo fato de que seus membros são organizados em relações sociais estruturadas, de acordo com uma cultura única. Porém, acima de todo o conhecimento histórico da humanidade, nenhuma cultura poderia existir sem cultura.
Sem cultura, não seriamos nem sequer “humanos”, no sentido em que comummente entendemos esse termo. Não teríamos línguas em que nos expressar, nenhuma noção de autoconsciência e nossa habilidade de pensar e raciocinar seria severamente limitada. Esses elementos culturais são compartilhados por membros da sociedade e tornam possível a cooperação e a comunicação, formando o contexto comum em que os indivíduos numa sociedade vivem suas vidas.
2.2.Conteúdos do conceito antropológico da cultura (crenças e ideias, valores, normas, símbolos)
Essas ideias abstractas ou valores dão sentido e fornecem direcção aos humanos enquanto estes interagem com o mundo social.
As normas são regras de comportamento que reflectem ou incorporam os valores de uma cultura. Os valores e as normas trabalham em conjunto para moldar a forma como os membros de uma cultura se comportam dentro de seus limites. Os valores e as normas variam enormemente através das culturas.
Algumas culturas valorizam altamente o individualismo, enquanto outras podem colocar maior ênfase em necessidades em comum. Mesmo dentro de uma sociedade ou comunidade, os valores podem ser contraditórios:
·         Alguns grupos ou indivíduos podem valorizar crenças religiosas tradicionais, enquanto outros podem enfatizar o progresso da ciência, assim como há pessoas que preferem conforto material e sucesso, e outras que podem preferir a simplicidade e uma vida tranquila.
Muitas normas que consideramos naturais em nossas vidas pessoais, como relações sexuais pré-matrimoniais e casais vivendo juntos sem estarem casados, contradiziam valores sustentados há poucas décadas.
No ano 2000, uma comissão do governo japonês publicou um relatórios que resumiu as principais metas para o Japão no século XXI. As principais descobertas da comissão surpreenderam muitas pessoas: os cidadãos japoneses precisam perder seu apego a alguns de seus valores principais se o país quiser enfrentar as suas actuais mazelas sociais com sucesso.
Normas e valores culturais são profundamente incrustados e é muito cedo para dizer se um mandato governamental terá sucesso em alterar os valores japoneses tradicionais. Muitos de nossos comportamentos e hábitos quotidianos são fundados em normas culturais. Um exemplo claro disso pode ser visto na forma como as pessoas sorriem, particularmente em contextos públicos através de diferentes culturas.
O símbolo de certos objectos, acções e instituições é a base da compreensão da cultura. O homem vive entre dois espaços que se completam; o referente – o espaço exterior e o espaço ou mundo simbólico ou imagético.
Strauss (1960; 19) afirma que o problema do simbólico toca a cultura e a sociedade na sua globalidade e toda a cultura é um conjunto de comunicações.
·         A cultura é simbólica, ela é um comporte de desígnios e valores, transmitidos necessariamente através de símbolos e sinais. O símbolo pressupõe dois pólos, pólo emissor e pólo receptor, a cultura é social e esta é uma das características básicas de cultura e neste âmbito importa referir que nenhum membro de uma sociedade é desprovido completamente de cultura.
·         O carácter simbólico da cultura permite que ela seja transmitida, comunicada entre todos os membros da sociedade.
·         Os hábitos e costumes, os padrões de comportamento são processos sociais.
·         A cultura pertence ao grupo humano, por isso é social, ela transmite-se por meio da sociedade, o indivíduo atinge cultura socialmente transmitida por alguém que age em nome da sociedade.
·         A cultura é dinâmica e estável, pois ela forma identidades e tradição e a constitucionalização de padrões de comportamento, tradição não significa repetição, ela evolui, e dinâmica, ela respeita a lei da vida, isto é, as mudanças podem ser pequenas ou grandes, despercebidas ou violentas, ou conscientes ou inconscientes. Mudanças despercebidas quando a própria natureza de aprendizagem que determina uma transformação tente mudanças conscientes. A Cultura também experimenta mudanças desejadas e violentas quando há encontros culturais a mudança ocorre em razão das novas necessidades provocadas por novas situações.
·         A cultura é selectiva, ela é contínua num processo que implica sempre reformulações e a própria cultura é subjectiva.
·         A cultura é universal e é um fenómeno, pois, nunca se constatou a existência do ser humano sem cultura. Cada membro da sociedade tem seu interesse próprio, dentro da cultura a que pertence, cada grupo alimenta os seus interesses e tarefas dentro de um conjunto cultural próprio, assim se forma os padrões regionais e culturais, conforme as situações próprias e as necessidades particulares.
·         A cultura é determinante, pois determina em parte o comportamento humano. Ela é responsável pela padronização do comportamento humano. E precisamente por este ser determinante de cultura que permite a existência de ciência de comportamento.
·         A cultura humana é determinada, ela vem se transformando ao longo do tempo influenciando-se por factores tais como modificações demográficas, sociais e culturais.

A Cultura Material e Imaterial representam os dois tipos de património cultural, e que juntos constituem a cultura de determinado grupo. A cultura material está associada aos elementos materiais e, portanto, é formada por elementos palpáveis e concretos, por exemplo, obras de arte e igrejas. Já a cultura imaterial está relacionada com os elementos espirituais ou abstractos, por exemplo, os saberes e os modos de fazer.
Ambas possuem aspectos simbólicos, posto que carregam a herança cultural de determinado povo, ao mesmo tempo que promovem sua identidade.
Associada aos elementos concretos de uma sociedade está a cultura material ou o património cultural material. Esses elementos foram sendo criados ao longo do tempo e, portanto, representam a história de determinado povo. Diversas edificações, objectos artísticos e quotidianos, fazem parte da cultura material, os quais são classificados de duas maneiras:
·         Bens móveis: podem ser transportados e reúnem os acervos e colecções.
·         Bens imóveis: são estruturas fixas e representam os centros históricos, sítios arqueológicos, etc.
Exemplos de Bens Materiais:
·         Vestimentas;
·         Museus;
·         Teatros;
·         Igrejas;
·         Praças;
·         Universidades;
·         Monumentos;
·         Obras de Arte;
·         Utensílios;

Este património cultural imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função do seu meio envolvente, da sua interacção com a natureza e da sua história, e confere-lhes um sentido de identidade e de continuidade, contribuindo assim para promover o respeito da diversidade cultural e a criatividade humana.”
Exemplos de Bens Imateriais:
·         Danças;
·         Músicas;
·         Literatura;
·         Linguagem;
·         Culinária;
·         Rituais;
·         Festas;
·         Feiras;
·         Lendas.

A diversidade cultural não convém apenas as crenças culturais que diferem através das culturas. A diversidade das práticas e do comportamento humano é também notável. Formas aceitáveis de comportamento variam amplamente de cultura para cultura e, com frequência, constatam drasticamente com o que as pessoas das sociedades ocidentais consideram “normais”.
No Ocidente, comemos ostras, mas não comemos gatinhos ou cães de estimação, sendo que ambos são considerados especiarias em algumas partes do mundo. Os judeus não comem carne de porco, enquanto os indianos comem porco e evitam carne de gado. As pequenas sociedades, como as sociedades primitivas de caçadores e colectores, tendem a ser culturalmente uniformes ou monoculturais.
O Japão, por exemplo, tem se mantido bastante monocultural e são também marcados por altos índices de homogeneidade cultural. A maioria das sociedades industrializadas, contudo, está tornando-se culturalmente mais diversa, ou multicultural. Nas outras cidades mais modernas, por exemplo, muitas comunidades subculturais vivem lado a lado, indianos ocidentais, paquistaneses, indianos, italianos, gregos e chineses podem todos hoje ser encontrados no centro de Londres.
As subculturas não se referem somente a grupos étnicos ou linguísticos dentro de uma sociedade maior que tem como âmbitos muito amplos e podem incluir naturalistas, góticos, hackers, hippies, rastafáris, fãs de hip-hop ou torcedores de times de futebol.
Toda cultura tem seus próprios padrões de comportamento, os quais parecem estranhos às pessoas de outras formações culturais. O reggae é um estilo de música suave, onde as pessoas que entendem de música popular ouvem a canção, elas são capazes, muitas vezes, de detectar as influências estilísticas que ajudaram a forma-la.
Cada estilo musical, afinal, representa um modo único de combinar ritmo, melodia, harmonia e letras. Diferentes estilos musicais tendem a surgir de diferentes grupos sociais, e estudar como os estilos se combinam e se fundem é uma boa maneira de mapear os contactos entre os grupos. As raízes do reggae podem ser rastreadas até a África Ocidental.
A cultura pode ser dinâmica ou estável. Ela é estável (identidade, tradição) enquanto se sublinha a tradição é a institucionalização de padrões de comportamento. Tradição não significa repetição (BOKA DI MPASI, 1986).
De acordo com MARTINEZ (2003: p. 42), a cultura é dinâmica pois este em constante transformação, obedecendo os seguintes aspectos:
·         Lei de vida: a cultura muda, como um ser vivo (exemplo do corpo…); as mudanças podem ser pequenas ou grandes, despercebidas ou violentas;
·         Mudanças despercebidas: a própria natureza da aprendizagem lhe determina uma transformação lenta;
·         Mudança consciente: a cultura também experimenta a mudança desejada e consciente;
·         Mudanças violentas: encontros culturais: a mudança ocorre em razão de novas necessidades provocadas pelas novas situações.

2.7.               Cultura e educação: saberes e contextos de aprendizagem em Moçambiqu
O estudo e apreensão de condições sócio-culturais de comunidades antes não divulgadas contribuem para a interacção entre os saberes locais e para a construção de uma perspectiva global. Partindo do papel da escola como mobilizadora das condições para a concretização do saber local, com o artigo pretende-se conhecer o processo do resgate e da integração destes no currículo do ensino básico do II grau, numa altura em que o plano curricular, concebido pelo MINED (2003), e em sintonia com as linhas de pesquisa da Universidade Pedagógica, recomendam a pesquisa e integração de conteúdos locais no currículo oficial.

Em parte, conjectura-se existir um diapasão entre os saberes locais pretendidos pela comunidade e a leccionação destes pela escola. De facto, as evidências indicam que um dos grandes desafios é como partir do ensino de saberes locais num contexto de globalização, como referencia LOPES (1999), para atribuir significados universais aos conteúdos ministrados a nível local, para que, numa sociedade multicultural, o aluno saiba aceitar a diferenciação e o diverso como base das relações sociais.

Os saberes locais fazem parte das temáticas mais discutidas, hoje, no campo de educação. São discutidos porque o paradigma educacional tende a adaptar-se às condições concretas da vida das pessoas. No contexto actual, a escola se interessa, para sustentar a sua prática educativa, pela sua inserção na comunidade e pelo reconhecimento de saberes localizados nela. O interesse pela comunidade tem como objectivo estabelecer as relações de diálogo entre a própria comunidade e a escola, entre os saberes locais das comunidades e os saberes universais para o desenvolvimento da prática educativa.

A abordagem sobre os saberes locais não é totalmente nova no sistema escolar. Por exemplo, BASÍLIO (2006) refere que o currículo colonial já previa a integração dos saberes locais. O mesmo autor refere ainda, que é a partir dessa perspectiva, que os antropólogos missionários discursavam em volta dos saberes locais, das culturas locais e das línguas locais. Porém, os objectivos e métodos pautavam-se no processo de evangelização e dominação portuguesa. A cultura local era tomada como uma questão estratégica para converter e assimilar os africanos. A intenção era usar os saberes locais para realizar com facilidade o processo de colonização e de conversão.

Segundo BASÍLIO (2006:23) “em Moçambique, o primeiro trabalho realizado por missionários ligados aos saberes locais foi o estudo etnolinguístico”. Ele refere que este trabalho consistiu em estudar as línguas locais para traduzir a Bíblia. Traduzir a Bíblia em língua local implicava conhecer a cultura do povo falante dessa língua. Ora, os antropólogos implicados no processo passavam muito tempo a conversar com os velhos para compreender as suas construções culturais.

As línguas locais serviam de meio para apreender os saberes locais. Contudo, a tradução da Bíblia em línguas locais trazia implicações políticas e culturais no seio dos nativos, porque alguns conceitos locais eram ajustados segundo a intenção dos colonizadores. As línguas locais e os saberes locais eram instrumentos para facilitar o trabalho dos colonizadores em África. Assim, na produção e organização do conhecimento escolar, os saberes locais eram segregados.

Os saberes não se reduzem ao puro conhecimento nem ao conjunto de enunciados denotativos. Os saberes são um conjunto de enunciados que carregam consigo mesmo, as noções de saber ser e estar, saber fazer, saber escutar e o conhecer. Assim os “saberes” abrangem uma gama de informações sistemáticas e não sistemáticas.

LYOTARD (1989) analisando a pragmática do saber narrativo discute em volta do que são saberes. Para ele, os saberes se fundamentam na competência que excede a determinação e aplicação do mero critério da verdade. Os saberes dizem respeito à eficiência, à justiça e felicidade, à beleza e normativa. LYOTARD afirma que “o saber é aquilo que torna qualquer pessoa capaz de proferir bons enunciados denotativos, mas também prescritivos, bons enunciados avaliados” (LYOTARD, 1989:47).

O que esta subjacente no trecho acima é que o que saber é mais abrangente. Ele inclui os enunciados científicos e culturais. Os enunciados científicos se fundamentam na metodologia e os culturais na vida como um todo. Tal como afirma SITHOLE apud CAMUENDO (2006: 70) “o saber local é aquele que se adquire ao longo da experiência da vida e, é o produto da interacção entre seres humanos em função de contextos culturais específicos de cada povo”. Este saber está intimamente ligado a práticas de vivências culturais da população.

O antropólogo GEERTZ (1997:100) afirma que “as formas de saber são sempre e inevitavelmente locais, inseparáveis de seus instrumentos e de seus invólucros”. GEERTZ analisa vários fenómenos culturais de diversos povos para mostrar que os saberes locais se manifestam “através de símbolos facialmente observáveis, um repertório elaborado de designações” (id. 95). Para ele, o mundo é um palco onde os actores fazem as suas construções culturais. Essas construções caracterizam a mesma maneira como cada povo vive, convive e representam o universo dos saberes locais.

Este trabalho está baseado para o estudo reflexivo da Implementação do currículo local do ensino Básico com a seguinte abordagem: Currículo local: Um olhar para a sua implementação no ensino Básico. O estudo permite compreender o processo de construção do currículo local e sua implementação. Este ensaio tem duas partes a considerar: a primeira discute de forma breve os conceitos de currículo e do currículo local e na segunda parte trás uma breve narração histórica da educação em Moçambique e faz um enquadramento do currículo segundo as teorias do currículo e discute as questões de recolha, sistematização, legitimação e implementação dos conteúdos do currículo local.

Educação (MINED Ministério)
Em 2004 a Educação (MINED Ministério) introduziu inovações no Novo Currículo do ensino Básico com base na transformação curricular de 2002; são elas: o “ciclo de aprendizagem, ensino básico integrado, Currículo Local, distribuição de professores, Progressão por ciclos de aprendizagem, línguas moçambicanas, língua inglesa, ofícios, educação moral e cívica e educação musical”( INDE, 2003: 24- 31). Dentro dessas inovações, destacamos o currículo local, os professores, a comunidade local como o foco do  estudo.
INDE (2003: 82), entende o currículo local como sendo “o complemento do currículo oficial, nacional, definido centralmente, que incorpora matérias diversas de vida ou de interesse da comunidade local nas mais variadas disciplinas contempladas no Plano de Estudos”. Este conceito mostra o vazio que existia ao abordarmos apenas os conteúdos centralmente definidos e com a inclusão dos saber local torna o ensino mais relevante e pode reforçar a interacção entre a escola e a comunidade, ou seja, aquilo que era a cultura local ela já é valorizada e discutida nos meandros da escola, e Basílio (2006:22)  na sua dissertação argumenta esta posição que o  interesse da escola pela comunidade tem como objectivo estabelecer as relações de diálogo entre a própria comunidade e a escola, entre os saberes locais das comunidades e os saberes universais para o desenvolvimento da prática educativa.
O currículo local não pode ser um submundo em relação aos conceitos universais que são mediadas na escola. Hoje ganharam um espaço privilegiado nos processos de construção da nossa identidade e por isso mesmo, não raras vezes ouvimos as expressões: “temos que voltar para as nossas raízes; temos que resgatar a nossa identidade” querendo manifestar o sentimento de que estamos ficando demasiado “alienados” pelos valores ocidentais esquecendo a nossa cultura. Aqui chamo submundo, os saberes locais que são considerados marginais aos processos educativos na escola. Durante muito tempo e, talvez, por razões históricas, o sistema nacional de educação em Moçambique os nunca de forma nítida os saberes locais foram constituintes do currículo.
Apesar da inclusão dos conteúdos locais na escola existem inúmeras vicissitudes para a implementação. Umas estão ligados a questões estruturais do sector (Formação inicial e capacitação de professores em exercício nos primeiros ano da introdução do currículo) e a outra tem que ver com o próprio processo de implementação do currículo local pelas direcções das escolas. De forma especifica, estas dificuldades estavam ligadas a recolha, a selecção e sistematização dos conteúdos, a gestão dos 20% do tempo lectivo, a fraca participação da comunidade, a validação dos conteúdos do currículo local e a avaliação ( cf. Básilio, 2006: 46).
Durante as minhas visitas de supervisão pedagógica as escolas fui confrontado com problemas e perguntava aos professores se implementavam os conteúdos do currículo local na sala de aula , eles diziam:
Primeiro professor: eu implemento o currículo local na fase de introdução e motivação porque quando eu quero introduzir, por exemplo, um tema sobre os rios de Moçambique,começo primeiro por perguntar aos alunos se conhecem um rio aqui no distrito e daí introduzo o novo tema”O segundo professor diz: “Implemento o currículo local, por exemplo quando mando os meus alunos fazer cestos, tecer capim,esteiras estou a implementar o currículo local”.
Os dois depoimentos mostram que os professores estão conscientes da implementação do currículo local. Ora, essas respostas explicitam uma limitação cognitiva na abordagem dos conteúdos locais. Assim, demonstra que os professores precisam de muito aprofundamento em relação a abordagem dos conteúdos do currículo local.
Um dos objectivos do currículo local é de desenvolver nos alunos saberes locais, dotando-lhes conhecimentos, habilidades, valores e atitudes que lhe permitam ter uma participação plena no conhecimento social, cultural e econômica na sua comunidade (INDE, 2011: 11). Ora, se se quer que os alunos tenham conhecimentos locais e participem na vida cotidiana da comunidade deve-se trazer os conhecimentos para a escola e discutir com os alunos porque “a escola é o único lugar privilegiado para a construção de conhecimento sistemático” ( MINED/DNGGQ, 2013 ).
Esta dissertação proporcionará conhecimentos válidos para os professores comecem a tomar atenção sobre o que os alunos perdem quando não abordam os conteúdos do currículo local. Como Objectivo geral do estudo é analisar a implementação do currículo local no processo de ensino-aprendizagem. De forma especifica, pretendo analisar a participação da comunidade na implementação dos saberes locais na escola e descrever as actividades que o professor realiza na construção do currículo local na sala de aula.
Ao focalizarmos o estudo para o currículo local no ensino Básico, tenho a plena consciência de que existem muitos factores que contribuem para a sua implementação. Assim, o foco desta pesquisa são os saberes locais, os professores e a comunidade local.Para isso, a observação dos procedimentos, dos planos de aula, da conversa com alguns membros da comunidade formam o objecto de observação do estudo.
O estudo fundamentou-se na revisão literária, conversa com professores e o presidente do Conselho de escola e no futuro e na observação de plano de aula e a curto prazo irei assistir algumas aulas para poder entender os  processos de construção currículo local  na escola com a participação da comunidade.A revisão literária permite fornecer a base teórica e empírica para a formulação das hipóteses e traz contribuições mais importantes  directamente ligados ao assunto. As entrevistas foram dirigidas a alguns professores do ensino primário, pessoas informantes da comunidade, directores de escola e pais e encarregados de educação.
As entrevistas, segundo MICHEL, M. (2009: 68) “fornecem maior amostragem, maior flexibilidade, permitindo esclarecimentos, perguntas, confirmações etc., maior oportunidade para obtenção de dados relevantes que não se encontram em fontes documentais, possibilita obter informações, comprováveis de imediato, permite dados quantificados e submetidos a tratamento estatístico
O ensino da tecelagem começa teoricamente na 4ª classe e nas classes subsequentes são realizadas diversas actividades práticas ligadas a esta actividade. As actividades económicas, nomeadamente a agricultura, a pesca e a modelagem, são ensinadas nos respectivos temas integradores nas disciplinas de Ofícios e Ciências Naturais na 7ª classe. O culto dos antepassados é abordado com destaque no II Ciclo na disciplina de Ciências Sociais onde são enaltecidos os valores e importância desta prática nas famílias nomeadamente, kupahla, phasseka e txidhilo. Ligado a esta temática, fala-se das religiões locais na disciplina de Educação Moral e Cívica na 7ª classe. A gastronomia no contexto do saber local é ensinada no respectivo tema integrador na disciplina da Língua Portuguesa na 7ª classe.
Os ritos de iniciação que no caso concreto desta escola fala-se da circuncisão masculina, são ensinados na 6ª classe quando se fala da adolescência. De facto, no caso concreto da EPC Eduardo Mondlane em Madendere, constatou-se, durante as aulas, a ministração de saberes locais onde ambos sexos realizam as mesmas actividades e assim, postula-se que, doravante, as raparigas daquela região sejam capazes de realizar actividades práticas antes reservadas aos rapazes, embora, ao nível familiar, executem, na base do género, tarefas tradicionalmente reservadas às mulheres. Notou-se ainda que os alunos com domínio de certas práticas locais são moderadores para ensinar os outros, prática que, aliás, tem sido a mais usada.
Partindo dos Programas das Disciplinas do ensino Básico (INDE/MINED, 2003) entende-se que as Ciências Sociais no ensino básico, concorrem para formação integral do aluno, ao integrarem as disciplinas de História, Geografia e Educação moral e Cívica que, em parte, detêm conhecimentos que podem ser transmitidos de forma transversal noutras disciplinas e classes. No caso do enfoque do presente estudo, as Ciências Sociais do II Ciclo, concretamente na 4ª classe, o aluno deve desenvolver competências e habilidades de apreciar a sua cultura, respeitar direitos, padrões de comportamento e crenças de outros, reconhecer o passado, desenvolver o sentido de auto-estima, reconstruir a sua história e da sua aldeia. Para o efeito, são ministrados, em primeiro lugar, os conteúdos sobre a família, onde se analisa o papel social, económico e cultural dos membros da família dentro da comunidade, visando valorizar os elementos de identificação cultural da zona onde a família está inserida. Em segundo, são ministrados conteúdos ligados à história da escola e em terceiro, o conhecimento do património e da tradição cultural da sua província, com intuito de identificar os valores de cultura, costumes e tradições de outras comunidades da sua província.
Na 5ª classe, o aluno consolida o reconhecimento do passado ao reconstituir as formas de vida das populações de há muito tempo e relacionar com a fixação de outros povos, responsáveis pela configuração do actual património cultural do país, caracterizado pela existência de diferentes grupos etnoculturais, isto é, diferentes tradições culturais.
Constata-se assim que os conteúdos apresentam interconexões partindo da realidade mais próxima, observável e interpretável pelo aluno, usando conceitos de iniciação conhecidos na língua local, para aceder à situações de aprendizagem mais complexas, à medida que o aluno frequenta classes cada vez mais avançadas.
Reconhece-se, neste contexto, que a língua é um pilar principal para obtenção de competências básicas para o reconhecimento do passado e enquadramento de diversos conhecimentos sobre a comunidade de modo que, partindo do tempo e do espaço, se estabeleçam comparações com outras culturas que são difundidas pela globalização. Todavia, a formação de um cidadão com uma visão multicultural torna-se um desafio, mesmo sabendo-se que a apreciação da própria cultura local parte com o uso da língua que, no caso particular, é o chope.
A realidade demonstra que no que concerne às Ciências Sociais, o património cultural chope embora seja conhecido pelos alunos oriundos da região, não é resgatado pela escola para posterior sistematização, facto testemunhado pela falta de informação já escrita resultante desse repertoriamento de conteúdos locais pelos professores.
Estes factos demonstram que, com a falta de sistematização destes saberes pela escola, o aluno não é preparado para a organização e progressão científica dos conhecimentos. Consequentemente, não tendo subsídios locais sólidos, dificilmente poderá estabelecer comparações com outras realidades mais longínquas, num contexto em que, segundo MINED/INDE (2003, p. 26 e 27), a real integração acontece na escola onde o professor, a direcção e outros interessados devem realizar diversas actividadesextra-curriculares, que complementem o ensino-aprendizagem promovido na sala de aulas aproveitando também todas as possibilidades envolventes na região.
As danças e os jogos tradicionais, o artesanato, os ritos de passagem, o culto dos antepassados, o respeito pelas tradições, a estrutura sócio-familiar e as actividades económicas locais de auto-sustento, são elementos sócio-culturais que, segundo a comunidade, devem ser perpetuados e assim se defende a integração definitiva destes no currículo local daquela comunidade. As inovações trazidas pela miscigenação cultural num processo lento, não são vistas como um processo de extinção da cultura chope.


Com o trabalho concluído, percebi que a Antropologia Cultural tem como propósito o estudo do Homem e das sociedades humanas na sua vertente cultural. A cultura é selectiva, ela é contínua num processo que implica sempre reformulações e a própria cultura é subjectiva.A cultura é universal e é um fenómeno, pois, nunca se constatou a existência do ser humano sem cultura. Cada membro da sociedade tem seu interesse próprio, dentro da cultura a que pertence, cada grupo alimenta os seus interesses e tarefas dentro de um conjunto cultural próprio, assim se forma os padrões regionais e culturais, conforme as situações próprias e as necessidades particulares.
Para a presente pesquisa foi usada uma das metodologias usadas pelos historiadores das mentalidades para captar os modos colectivos de vida que, segundo BARROS (2008), tem sido a eleição de um privilegiado, na Comunidade, que funcione como um lugar de projecção de atitudes colectivas desde que se considerem significativas para a percepção de uma mentalidade cultural mais ampla.












·         BORGES, Alberto de campos. Topografia – Aplicada à Engenharia Civil, Volume 1. Editora EdgardBlücher, 1997.
·         GIDDENS, Anthony. Sociologia – 4ª Edição. In: Cultura e Sociedade. Tradução Sandra Regina, Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 39-56.
·         MARTINEZ, Francisco Lerma. Antropologia Cultural – Guia Para o Estudo. Edição Paulinas. Maputo. 2003.
·         BARROS, José D’Assunção. O campo da História: Especialidades e abordagens. 5ª Edição. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. 222p.
·         FORQUIN, Jean-Claude. A escola e cultura: as bases e epistemológicas do conhecimento escolar. Porto Alegre, 1993. LOPES, Alice R. C. Pluralismo cultural em políticas de currículo nacional. In: MOREIRA, A. F. Barbosa (org.). Currículo, políticas e práticas. 7ª Edição. Campinas, SP: Papiro, 1999, 183p.
·         GEERTZ, Clifford. Saber local: novos ensaios em antropologia interpretativa. Petrópolis. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
·         LYOTARD, Mark. O Conceito de Cultura e o Estudo de Sociedades Complexas: uma perspectiva antropológica.  Artefato, Rio de Janeiro: Conselho Estadual de Cultura, 1989.





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