domingo, 8 de agosto de 2021

Descolonização Africana

 Índice

1. Introdução. 3

1.1. Objectivos. 3

1.1.1. Objectivo geral 3

1.1.2. Objectivos específicos. 3

1.2. Metodologia. 3

2. Descolonização Africana. 4

2.1. A exploração do continente e os abalos no sistema colonial 4

2.2. O surgimento de uma consciência africana: a concepção pan-africana. 6

2.3. Evolução do movimento pan-africanista: a acção de missionários. 8

2.4. O desenvolvimento da ideologia pan-africanista. 9

2.5. A expansão do movimento pan-africanista. 11

2.6. O socialismo e o processo de independência das colónias africanas. 13

3. Conclusão. 17

4. Referências bibliográficas. 18

 

1.      Introdução

O presente trabalho tem como tema a Descolonização Africana, pois quando uma colónia consegue recuperar sua independência ocorre o processo de descolonização. Isto pode acontecer devido a um acordo entre a terra colonizada e um partido político ou por uma luta organizada para livrar a colónia de seus exploradores. Exemplos desta batalha são as frentes organizadas por Che Guevara e Fidel Castro na América Latina e as acções de Gandhi na Índia. No primeiro caso houve luta armada, já no segundo a libertação deu-se pela insistência ideológica de seu líder, Gandhi, que optava por não fazer uso da violência. Nas paginas a seguir veremos o conteúdo de forma mais detalhado de modo a facilitar a compreensão do mesmo.

 

1.1.Objectivos

1.1.1.      Objectivo geral

Ø  Compreender a descolonização Africana.

 

1.1.2.      Objectivos específicos

Ø  Descrever a exploração do continente e os abalos no sistema colonial;

Ø  Explicar o surgimento de uma consciência africana: a concepção pan-africana;

Ø  Ilustrar a evolução do movimento pan-africanista: a acção de missionários;

Ø  Especificar o desenvolvimento da ideologia pan-africanista;

Ø  Mostrar a expansão do movimento pan-africanista;

Ø  Caracterizar socialismo e o processo de independência das colónias africanas.

 

 

1.2. Metodologia

Para fazer face a realização do trabalho foi necessário a consulta de fontes de modo a adquirir informações que versam sobre o conteúdo em estudo. As tais fontes incluem manuais físicos que se referem a livros e trabalhos realizados anteriormente e manuais electrónicos adquiridos por via da internet e os seus respectivos indicadores estão presentes na última página do trabalho, onde estão pontuados como referências.

 

2.      Descolonização Africana

2.1. A exploração do continente e os abalos no sistema colonial

Desde o século XV, quando se iniciou a penetração europeia na África, até o século XIX, quando ocorreria a efectiva partilha do território, o continente foi-se integrando à economia mundial. Nos primeiros tempos, não houve o estabelecimento de um controle directo sobre as actividades cotidianas dos africanos, ocorrendo apenas contactos que permitiam à Europa se beneficiar das riquezas extraídas, principalmente por intermédio do tráfico negreiro, que se tornou um dos sectores mais importantes do comércio mundial. A integração se daria, portanto, de forma periférica e dependente em relação à economia europeia. Somente a partir do final do século XIX, quando ocorreu efectivamente a partilha da África, a dominação se imporia de maneira irrefutável (DESCHAMPS, 1961).

As formas e os instrumentos pelos quais a Europa afirmou seu predomínio, entretanto, atravessariam diversas fases, determinadas, em grande medida, pela própria evolução dos acontecimentos no continente europeu. Assim, o período compreendido entre a década de 1880 e o final da Primeira Guerra Mundial, em 1918, pode ser considerado como a primeira etapa da imposição da dominação. Nessa ocasião, o colonialismo e as transformações dele decorrentes foram introduzidos de forma gradual, embora sempre de maneira violenta. Num primeiro momento, isto é, entre 1880 e 1900, deu-se a conquista efectiva do território e a sujeição militar. Já na etapa subsequente, ou seja, de 1900 a 1918, verificou-se a necessidade de delimitar os territórios pertencentes a cada uma das metrópoles, bem como estabelecer a ocupação efectiva (FREUND, 1998).

A segunda fase da dominação é aquela em que se deu a consolidação da economia colonial, estendendo-se de 1918 - quando ocorreu a segunda partilha da África, dado que a administração dos territórios germânicos foi transferida a outros países em virtude da derrota alemã ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Num primeiro período, entre 1920 e 1930, a economia colonial adquiriria capacidade de se desenvolver por meio de impulsos endógenos, e foi caracterizada pela adopção de um sistema monetário, pela formação de monopólios e cartéis e pela imposição de normas tributárias que atingiam a maior parte da população das colónias. Já na fase compreendida entre o colapso de 1929 e o final da guerra, época em que as economias metropolitanas procuravam obter recursos para superar a depressão mundial, ocorreria uma piora significativa das condições de vida dos povos das colónias, com o recrudescimento da coerção e a redução dos serviços sociais.

Finalmente, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, e com o objectivo de aprofundar o sistema de exploração colonial, ao mesmo tempo em que se procurava conter os crescentes movimentos nacionalistas, as metrópoles buscaram elaborar planos de desenvolvimento para o continente africano. Houve, nessa época, um aumento da participação das colónias na economia mundial, embora as tensões políticas se avolumassem.

O primeiro grande abalo no sistema colonial ocorreu no período compreendido entre 1914 e o fim da Segunda Guerra Mundial. O morticínio das duas grandes guerras, permeado pelo advento da Revolução Russa, em 1917, pela depressão iniciada em 1929 e pelo avanço do nazi-fascismo, provocou uma fractura na confiança anteriormente depositada na suposta missão civilizatória europeia. Por outro lado, a destruição dos países europeus, sobrepujados economicamente pelos Estados Unidos (EUA), levou ao declínio da capacidade das antigas potências de manterem integralmente o domínio colonial.

Todavia, e apesar de destruídas pelo conflito, as nações europeias retomariam, após a Segunda Guerra Mundial, a justificativa anteriormente apresentada para a dominação, isto é, a de que os brancos teriam como missão levar a civilização ocidental a povos que supostamente ainda viviam em situação de barbárie. Mas o próprio sistema colonial havia provocado mudanças profundas nas colónias, gerando contradições difíceis de serem superadas. De fato, a criação de um sistema educacional nas colónias africanas havia engendrado o surgimento de uma elite educada, que não mais se conformava com a situação de dominação.

Por outro lado, a introdução de elementos modernizadores - tais como meios de transporte (rodovias e ferrovias), novas técnicas agrícolas e de mineração, aproveitamento de fontes diversas de energia, instalação de indústrias, expansão da economia monetária e de mercado, a busca por mão de obra assalariada e a propagação do cristianismo -, havia provocado modificações profundas na economia e na sociedade africanas, gerando demandas até então inexistentes. A partir dessas alterações, os próprios africanos passaram a querer realizar mudanças, criando-se as condições para o desenvolvimento do nacionalismo.

Na década de 1950, com o avanço dos movimentos nacionalistas e o acirramento dos conflitos, além da necessidade de orientar os gastos para a reconstrução europeia, os dirigentes metropolitanos perceberam que não mais havia vantagem em ignorar as pretensões à independência, principalmente levando-se em conta o fato de que os objectivos iniciais que levaram à construção dos impérios coloniais haviam sido plenamente atingidos.

Depois de décadas de colonialismo, as empresas europeias já detinham o pleno controle dos mercados e dos recursos africanos, podendo deles se aproveitar em benefício próprio e de seus aliados. Por outro lado, e dada a imensa defasagem tecnológica, era evidente que esse aproveitamento era quase inevitável e irreversível, e a tentativa de manter a dominação pela força somente reduziria os potenciais benefícios económicos. Verificou-se, pois, que o processo de independência foi resultado da confluência entre a pressão exercida pelos movimentos nacionalistas de um lado, e o desinteresse e/ou a incapacidade de as metrópoles manterem o jugo, de outro.

Os benefícios de manter o poder se tornaram duvidosos, a partir do momento em que a Europa se recuperou economicamente na década de 1950. Os tecnocratas franceses começaram a pensar nas colónias meramente como complementos para os sectores mais dinâmicos da indústria. Os oficiais britânicos concluíram, em 1957, que faria pouca diferença se as colónias se tornassem independentes. Muitos homens de negócios concordaram: sua prioridade era ter boas relações com quem quer que estivesse no poder. Na década de 1950, portanto, era desvantajoso resistir ao nacionalismo (ILIFFE, 1995).

E nesse processo, dois conjuntos de ideias seriam extremamente relevantes: o primeiro deles diz respeito ao surgimento de uma consciência africana, por meio do desenvolvimento do pan-africanismo. O segundo refere-se à difusão das ideias socialistas, que apontavam para uma perspectiva de libertação dos povos oprimidos desde o advento da Revolução Russa, bem como ao auxílio da União Soviética (URSS) nas lutas pela independência do continente. Passemos, pois, a uma breve análise da organização do movimento pan-africanista.

2.2. O surgimento de uma consciência africana: a concepção pan-africana

Conforme assinalado anteriormente, a compreensão do processo de independência das colónias africanas deve considerar o desenvolvimento das ideias contidas no pan-africanismo, além de ter em conta também a questão do racismo. Com efeito, a violência da dominação só pode se justificar, do ponto de vista ideológico, pela ideia da superioridade de um povo em relação a outro e, portanto, da necessidade de civilizar. Como bem assinalou Albert Memmi, “o racismo faz parte de todos os colonialismos em todas as latitudes. Não é uma coincidência: o racismo resume e simboliza a relação fundamental que une colonialista e colonizado” (MEMMI, 1967).

Os espanhóis já haviam feito isso no início do século XVI, com relação à conquista e ao extermínio das populações indígenas da América (FERRO, 1996).

Do mesmo modo, foi isso que fizeram os europeus a partir do final do século XIX. Contudo, é preciso diferenciar alguns aspectos do racismo dos espanhóis em relação aos indígenas no século XVI, e aquele assumido pelos europeus no século XIX para justificar a dominação da África. Os primeiros procurariam respaldo predominantemente na religião católica e na necessidade de levar aos selvagens o conhecimento da verdadeira fé e do Deus cristão. Quanto aos segundos, fundamentariam suas concepções num suposto cientificismo, que tem como um de seus maiores expoentes Herbert Spencer (SPENCER, 1963).

Para ele, as ideias de Charles Darwin comprovariam a superioridade dos europeus, que haviam se mostrado mais aptos na luta pela sobrevivência. Porém, é preciso frisar que, tanto nos espanhóis do século XVI como nos europeus do século XIX, há um forte componente racista. A raça foi uma tentativa de explicar a existência de seres humanos que ficavam à margem da compreensão dos europeus, e cujas formas e feições de tal forma assustavam e humilhavam os homens brancos, imigrantes ou conquistadores, que eles não desejavam mais pertencer à mesma comum espécie humana.

Na ideia de raça encontrou-se a resposta dos boeres à ‘monstruosidade’ esmagadora da descoberta na África todo um continente povoado e abarrotado de selvagens. Dessa ideia resultaram os mais terríveis massacres da história: o extermínio das tribos hotentotes pelos boeres, as selvagens matanças de Carl Peters no Sudeste Africano Alemão, a dizimação da pacata população do Congo reduzida de uns 20 milhões para 8 milhões; e, o que é pior, a adopção desses métodos de ‘pacificação’ pela política externa europeia (ARENDT, 1989).

Como se vê, no período compreendido entre o final do século XIX e o início do século XX, há, no mundo ocidental, uma profunda contradição entre as ideias de liberdade e igualdade, nascidas no bojo da Revolução Francesa, e as justificativas empreendidas para a dominação, baseadas no darwinismo social. Porém,

“se o argumento da desigualdade é fundado na raça, essa ideia torna-se primordial para unir os que, embora assemelhados por sua origem, apresentam especificidades históricas particulares” (HERNANDEZ, 2002).

E é isso que explica o surgimento do movimento pan-africanista, para o qual haveria uma identidade entre todos aqueles com uma origem comum, no caso, a “Mãe África”. Assim, no período compreendido entre 1880 e 1935, ocorreu o desenvolvimento da ideia de uma ligação profunda entre africanos e negros americanos, que se manifestaria em diversos movimentos:

1) retorno de negros para o território de seus antepassados, ou seja, a África; 2) evangelização dos povos africanos, conduzido por missionários norte-americanos; 3) matrícula de estudantes africanos em escolas e universidades americanas para negros; 4) contacto de africanos com o mundo negro na América; e 5) persistência e transformação de valores culturais africanos na América.

2.3. Evolução do movimento pan-africanista: a acção de missionários

Uma das primeiras manifestações dessa ligação entre africanos e negros americanos data da década de 1860, quando Alexander Crummell (1819-1898), um padre negro norte-americano que havia emigrado para a Libéria, discursou perante uma comunidade afro-americana sobre A língua inglesa na Libéria, afirmando que “os africanos ‘exilados’ pela escravidão no Novo Mundo haviam recebido da divina providência (...) a compensação da posse da língua inglesa” (APPIAH, 1997).

No discurso, Crummell demonstrava uma profunda admiração pela cultura do branco colonizador, cuja língua considerava um legado extremamente benéfico. Para ele que havia sido educado dentro dos marcos da sociedade norte-americana, e cuja formação estava profundamente impregnada pelos valores do cristianismo, a África continuava a ser vista como pagã e selvagem, e todos os seus problemas se resolveriam pela adopção da fé cristã.

No entanto, Crummell entendia haver um destino comum para os povos da África, pelo simples fato de que pertenciam a uma mesma raça. Segundo ele, as raças, como as famílias, são organismos e ordenações de Deus; e o sentimento racial tal como o sentimento familiar, é de origem divina. A extinção do sentimento racial é tão possível quanto a extinção do sentimento familiar. Na verdade, a raça é uma família (APPIAH, 1997).

Portanto, o que tornava a África uma unidade era o fato de ela ser a pátria dos negros. Essas ideias também foram desenvolvidas pelo padre Edward Wilmot Blyden (1832-1912), educador, escritor e diplomata antilhano, que adoptara a Libéria como pátria. Para Blyden, os africanos são povos que mantêm grande identidade com os ocidentais, e podem e devem ser cristianizados, pois não há uma tribo no continente da África, apesar da opinião quase universal em contrário, apesar dos fetiches e amuletos que muitas delas supostamente adoram não há, afirmo, uma única tribo que não levante as mãos para o Grande Criador.  Não há ateus nem agnósticos entre eles (APPIAH, 1997).

Em 1889, Blyden foi aos EUA, em nome da American Colonization Society (ACS), para conseguir apoio à emigração de negros norte-americanos para a Libéria. E, entre 1880 e 1900, o bispo norte-americano Henry McNeal Turner (1834-1915) procurou combinar a ideia de necessidade de emigração para a África com o trabalho missionário de evangelização. Segundo Turner, dois ou três milhões dos nossos deveriam retornar à terra dos antepassados, nela estabelecer nossas principais nações, civilizações, leis, costumes, modos de produção e parar de resmungar, de estar sempre recriminando e de ameaçar o país que o homem branco reivindica e que necessariamente dominará (RALSTON; MOURÃO, 1991).

Houve ainda outras iniciativas no mesmo sentido, promovidas, em sua maioria, por líderes religiosos ligados a igrejas protestantes. Uma delas foi a criação, em 1884, da African Methodist Episcopal Church (AME), que realizou diversos congressos sobre a política dos negros americanos em relação à África, além de enviar missionários negros para o continente durante todo o período colonial. Do mesmo modo, em 1896 a Igreja Presbiteriana passou a mandar missionários para Camarões.

Também o Reverendo William Henry Sheppard (1865-1927), formado pelo Hampton Institute, procurou incentivar a ida de pastores para o Congo, enquanto os Adventistas do Sétimo Dia enviaram missionários para a Niassalândia. Já na África do Sul, os missionários procuravam matricular negros em escolas americanas, fornecendo também ajuda financeira com o objectivo de promover sua integração na sociedade.

2.4.O desenvolvimento da ideologia pan-africanista

Essas actividades constituiriam a base para a articulação de uma ideologia pan-africanista. No entanto, o primeiro grande ideólogo do movimento foi William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963), professor de grego e latim norte-americano, para quem “devemos reconhecer que os seres humanos se dividem em raças”. Segundo ele, a raça “é uma vasta família de seres humanos, em geral de sangue e língua comuns, sempre com uma história, tradições e impulsos comuns, que lutam juntos (...) pela realização de alguns ideais de vida” (APPIAH, 1997).

Vê-se, portanto, que a ideia de raça não mais correspondia a uma concepção biológica, mas sim sócio histórica. Assim, cada uma das raças teria uma mensagem para a humanidade. E a raça negra teria o dever de transmitir a sua mensagem, motivo pelo qual todos aqueles de origem africana deveriam trabalhar para cumprir essa tarefa. Para Du Bois, o povo negro, como raça, tem uma contribuição a dar à humanidade que nenhuma outra raça pode dar. Cremos no dever dos norte-americanos de ascendência negra, como um corpo, de manter sua identidade racial, até que se cumpra essa missão do povo negro e que o ideal da fraternidade humana tenha-se tornado uma possibilidade prática (APPIAH, 1997).

Dessa forma, era imprescindível a emigração para a África e a interacção entre africanos e negros da América. A partir de então, várias entidades destinadas a promover a emigração de afroamericanos foram criadas, dentre as quais se destacam a African Development Society e a International Migration Society (IMS). O objectivo da primeira era estimular afro-americanos a adquirirem terras e se fixarem na África Centro-Oriental. Já a IMS, enviou cerca de 500 emigrantes para o continente. Contudo, muitos deles retornaram à América com relatos sobre as más condições de vida na África, o que acabou por desestimular os movimentos de apoio à emigração.

Apesar disso, a partir de 1900 houve ainda novas tentativas de retomar a bandeira da emigração, inclusive com a criação de periódicos, como é o caso da revista The Crisis. E, entre 1919 e 1923, Du Bois daria novo impulso ao movimento pan-africanista, com a organização de diversos congressos internacionais. Todavia, a principal iniciativa seria tomada pelo empresário e advogado jamaicano Marcus Mosiah Garvey (187-1940), que conquistaria milhões de negros americanos para a causa africana depois da Primeira Guerra Mundial.

Sua mobilização ocorreu com a leitura de Up from slavery, de autoria de Booker Tagliaferro Washington (1856-1915), educador e fundador do Tuskegee Institute, escola surgida no Alabama (EUA) com o objectivo de educar os ex-escravos e seus filhos, e do encontro com Dusé Mohammad Ali (1866-1945), intelectual e actor sudanês, autor de In the land of Pharaos, e que fazia acerbas críticas às políticas inglesa e norte-americana em relação à África. A partir dessas experiências, Marcus Garvey criaria, em 1914, a Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA), cujo principal objectivo era promover a emigração como forma de redenção dos negros.

Somos descendentes de um povo sofrido. Somos os descendentes de um povo decidido a não mais sofrer. Não queremos o que pertenceu aos outros, embora os outros sempre tenham procurado privar-nos daquilo que nos pertencia. As outras raças têm seus próprios países e é tempo de que os 400 milhões de negros reivindiquem a África para si próprios (RALSTON; MOURÃO, 1991).

 

2.5. A expansão do movimento pan-africanista

Os contactos frequentes entre africanos e negros americanos levariam à expansão do pan-africanismo, com sua transformação em movimento político organizado. Assim, no período compreendido entre 1880 e 1940, houve um intenso intercâmbio cultural, com grande número de alunos das colónias britânicas na África que foram estudar em escolas americanas. Os empresários coloniais incentivavam, na prática, a ida desses estudantes para os EUA, com o objectivo de que adquirissem formação adequada para, de volta à pátria de origem, tornarem-se quadros técnicos e mão de obra especializada (DECRAENE, 1961).

E, apesar de vários desses estudantes, em seu retorno à África, terem entrado em choque com os compatriotas, muitos se transformariam em grandes lideranças nacionalistas, aderindo aos movimentos pela independência. Dessa forma, pouco a pouco ocorreria um processo de reafirmação da cultura negra, tanto na Europa como nas Antilhas e na própria África Ocidental, o que levaria ao surgimento do conceito de negritude. Essa ideia tomaria impulso principalmente a partir de acções de africanos e antilhanos francófonos e anglófonos.

Os líderes da negritude passariam, então, a desenvolver a noção de que existe um movimento histórico e cultural a partir de uma solidariedade racial entre os negros e que, portanto, todos os africanos e os povos de origem africana têm um património cultural comum, motivo pelo qual deveriam ser reforçados os laços entre os integrantes do mundo negro. Dentre os principais expoentes do movimento da negritude, destacam-se: Aimé Fernand David Césaire (1913-2008), escritor, poeta e político martinicano; Camara Laye (1928-1980), escritor da Guiné; Festus Claudius “Claude” McKay (1889-1948), poeta jamaicano; e Léopold-Sédar Senghor (1906-2001), poeta e escritor do Senegal, primeiro presidente do país (1960-1980), e um dos fundadores do movimento da negritude.

As obras desses escritores e políticos constituiriam um grande marco para o avanço do movimento da negritude. No caso de Aimé Césaire, cujo texto mais conhecido é Cahiers d’um retour au pays natal, a poesia é entendida como instrumento de volta às fontes da negritude. Propõe, para isso, a libertação dos negros das formas tradicionais da cultura ocidental. Do mesmo modo, Camara Laye, cuja principal obra é L’enfant noir, evoca o retorno aos costumes tradicionais, enquanto Claude McKay, autor do poema Se temos de morrer, propõe a unificação do pan-africanismo cultural e político, desenvolvendo a ideia de que os negros devem tomar consciência de seus sofrimentos comuns, lutar contra eles e afirmar sua dignidade.

Quanto a Léopold-Sédar Senghor, mostrou-se um dos grandes articuladores da luta contra o domínio europeu e pelo fim do colonialismo que, se trouxeram alguns benefícios da modernidade, também foram responsáveis pela exploração e pela pilhagem do continente durante mais de 300 anos. Segundo ele, certamente a África Negra é um país de fraca densidade; e sem dúvida que sob a acção eficaz do Serviço de Saúde, a cifra de sua população sobe, como um jovem bambu.

“O que se esquece é que esta terra foi, durante três séculos, entregue à sanguinária cupidez dos ‘negreiros’ esclavagistas; e que, sob a acção mortífera do branco, dez milhões de seus filhos foram deportados para as Américas e outras regiões; que duzentos milhões morreram nas caçadas ao homem. O que se esquece, de um modo geral, é que cada ‘benefício da colonização’ teve seu reverso. Deste modo, as usinas, as minas, as estradas de ferro, revelaram-se os melhores propagadores das doenças. Falarei também dos camponeses senegaleses que permitem às grandes companhias lucros anuais de centenas de milhões de francos-ouro, sem outros resultados para eles mesmos que não sejam os de empobrecer suas terras e continuarem tão miseráveis quanto há 50 anos” (SENGHOR, 1961).

É importante ressaltar também o papel exercido por Frantz Omar Fanon (1925-1961), psiquiatra, cientista político e filósofo marxista francês de origem martinicana, que se destacaria como um dos principais teóricos do anticolonialismo. Fanon rejeitava o conceito de negritude, sustentando que o status de uma pessoa depende de suas condições económicas e sociais. Acreditava que a violência era a única forma de liquidação da opressão colonial e do trauma cultural do Terceiro Mundo, constituindo uma força de limpeza uma vez que libertava o nativo do seu complexo de inferioridade, do seu desespero e da sua inacção, eliminando-lhe o medo e restaurando-lhe o auto-respeito.

Para ele, durante séculos os capitalistas comportaram-se no mundo subdesenvolvido como verdadeiros criminosos de guerra. As deportações, os massacres, o trabalho forçado, a escravidão foram os principais meios empregados pelo capitalismo para aumentar suas reservas de ouro e diamantes, suas riquezas, e para afirmar seu poderio. Há pouco tempo, o nazismo transformou a totalidade da Europa em verdadeira colónia. Os governos das diferentes nações europeias exigiram reparações e reclamaram a restituição em dinheiro e em género das riquezas que lhes tinham sido roubadas.

Igualmente, dizemos que os Estados imperialistas cometeriam um grave erro e uma injustiça inqualificável se se contentassem em retirar de nosso solo as cortes militares, os serviços administrativos e de intendência, cuja função era descobrir riquezas, extraí-las e expedi-las para as metrópoles. A reparação moral da independência nacional não nos cega, não nos alimenta. A riqueza dos países imperialistas é também nossa riqueza (FANON, 1979).

2.6. O socialismo e o processo de independência das colónias africanas

Como se viu, o movimento pan-africanista ganhou força a partir da década de 1920, e representou uma enorme contribuição para o desenvolvimento do nacionalismo africano, que se intensificaria depois da Segunda Guerra Mundial, culminando com a independência da maioria dos territórios num curto período, que se estendeu de 1957 a 1968. No entanto, para compreender esse processo, é necessário considerar também o papel dos movimentos socialista e comunista internacionais e a contribuição da URSS para a vitória da luta pela libertação. Nesse sentido, e como salientou Yves Person, a primeira pergunta que se deve fazer é:

“como falar do socialismo num continente exclusivamente agrícola, sem proletariado nem capitalismo nacional, fora do caso marginal da África do Sul, e onde as classes sociais nem sempre estavam diferenciadas?” (PERSON, 1984, p. 729).

A esse respeito, o autor lembra que Marx havia admitido a possibilidade de a Rússia passar directamente da comunidade rural para o socialismo, o que acabaria se confirmando com a vitória da revolução de 1917. De outra parte, os africanos não se conformavam com a perspectiva de assistir à exploração colonial como algo inevitável, elaborando, então, a “teoria de um socialismo africano que se desenvolveria naturalmente a partir das mentalidades e das estruturas originais das sociedades tradicionais, corroídas mas não obliteradas pela colonização” (PERSON, 1984, p. 729).

Yves Person ressalta, porém, que o socialismo é uma doutrina desenvolvida essencialmente na Europa, onde havia um operariado já constituído e, em grande parte, organizado. E foi exactamente a colonização que possibilitou a sua introdução na África, onde penetrou por meio de intelectuais africanos que haviam estudado na Europa ou tido contacto com a cultura ocidental, e que eram, em relação às tradições africanas, já bastante desenraizados. Em consequência, a sua difusão no continente se daria por intermédio de movimentos nacionalistas, como o pan-africanismo e a negritude, estes também baseados em sistemas filosóficos europeus (PERSON, 1984).

Esses intelectuais iriam tentar adaptar a teoria socialista à realidade do continente. Com este objectivo, procurariam demonstrar que, na verdade, tratava-se de actualizar antigas tradições africanas. Assim, para os principais teóricos de um “socialismo africano”, entre os quais se destacam Léopold-Sédar Senghor, Kwame Nkrumah e Julius Nyerere, além de algumas lideranças que procuraram colocar em prática essas ideias, como Amílcar Cabral e Sekou Touré, “a tradição africana predispõe para o socialismo, em virtude do carácter ‘colectivista’ das suas sociedades” (PERSON, 1984).

Yves Person, contudo, aponta algumas questões importantes a respeito desta “predisposição” africana para o socialismo. Primeiramente, salienta o fato de que, no conjunto da África negra, em geral com baixa densidade populacional, a posse da terra era colectiva, e a unidade de produção coincidia com a unidade social básica (família ou linhagem). Assim, embora não existissem classes definidas de acordo com sua posição no processo de produção, havia desigualdades, baseadas em idade e sexo.

O autor destaca ainda que, nas regiões onde existia o Estado, este não intervinha directamente na produção, apenas cobrava tributos em produtos ou trabalho das comunidades, que permaneciam autónomas. No entanto, é preciso lembrar que, a despeito de não haver apropriação da terra no sentido estrito, havia apropriação dos homens, por meio da escravidão. De outro lado, o comércio de longa distância era monopolizado por minorias socioprofissionais ou étnicas, e apesar de não haver interferência na produção, ocorreu, em certa medida, o desenvolvimento de uma mentalidade “capitalista”, que teria importante efeito social e cultural.

Diante dessas questões, os africanistas marxistas acabaram por concluir que não havia possibilidade de identificar esse tipo de organização económica e social com o chamado “modo de produção asiático”, criando categorias como “modo tributário de produção” ou “modo de produção de linhagem”. No entanto, segundo Person, estas ideias estavam, na verdade, baseadas numa idealização da África antiga (PERSON, 1984), e o chamado “socialismo africano” acabou por se desenvolver mesclado ao movimento nacionalista, com raízes muito fortes no pan-africanismo e na negritude.

De outra parte, há que se levar em conta também a contribuição da URSS e dos países socialistas na luta pela libertação das nações africanas. Com efeito, desde a vitória da Revolução Russa, a URSS procurou apoiar os processos de independência de todos os países colonizados, desenvolvendo uma política de ajuda directa ou indirecta. Segundo Iba Der Thiam e James Mulira, no caso da África, esse apoio pode ser dividido em quatro períodos: a) 1917-1945, em que houve uma influência indirecta, por meio dos partidos comunistas europeus e do movimento pan-africanista; b) 1945-1965, apoio directo ou indirecto aos movimentos de independência e ao estabelecimento dos novos Estados no continente; c) 1965-1975, período em que predominaram acções diplomáticas; e d) a partir de 1975, em que a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã levou ao enfraquecimento de sua capacidade de intervenção no continente africano e possibilitou um reforço da influência soviética em algumas regiões, como é o caso de Angola (THIAM; MULIRA, 2011).

Os africanos foram estimulados a integrar uma frente anti-imperialista, e o Komintern procurou estabelecer relações com as primeiras organizações de carácter nacionalista surgidas no continente, tais como o Congresso Nacional da África Ocidental Britânica, a Associação Central Kikuyo ou o Congresso Nacional Africano (CNA). Note-se, porém, que dada a quase inexistência de uma classe operária africana na época, o Komintern reconhecia que esses movimentos eram dirigidos por sectores progressistas da burguesia (THIAM; MULIRA, 2011).

Ademais, a URSS procurou se aproximar de negros norte-americanos e antilhanos, participantes do movimento pan-africanista, bem como dos partidos comunistas das metrópoles com o objectivo de difundir o socialismo. O Partido Comunista Francês (PCF) teve papel importante nessa difusão, levando ao aumento da participação de africanos no movimento comunista internacional. E, com vistas a promover a formação ideológica e política, foi criada em Moscou, em 1930, a escola Stalin de preparação de quadros marxistas.

Quanto ao Partido Comunista Britânico (BCP), teve influência na formação de africanos que estudaram na Inglaterra, tais como Jomo Kenyatta, do Quênia, e Kwame Nkrumah, da Costa do Ouro, que, no futuro, teriam papel de destaque nos movimentos de independência de seus países. Já na África lusa, o Partido Comunista Português (PCP) formou vários intelectuais marxistas africanos, entre os quais destacam-se Agostinho Neto, fundador do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e Amílcar Cabral, que liderou a organização do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) (Thiam; Mulira, 2011).

Na segunda fase, ou seja, de 1945 a 1965, verificou-se um grande avanço do movimento nacionalista africano e do anticolonialismo. A URSS contribuiu para o sucesso desses movimentos, inclusive do ponto de vista do estímulo aos estudos sobre a História da África. Tanto assim que o Instituto Etnográfico de Leningrado, actual São Petersburgo, passou a desenvolver um programa sistemático de pesquisa, publicando toda a documentação conhecida sobre a África subsaariana a partir do século XI.

O apoio da URSS aos movimentos de libertação da África ficaram explícitos nas resoluções adoptadas tanto no XXI Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), em 1959, quanto no seu XXII Congresso, em 1961. Essas decisões coincidiram com uma forte investida diplomática da URSS perante a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1960, quando apresentou proposta de resolução – que foi adoptada em 1961 -, pela qual todas as metrópoles eram convocadas a conceder independência às suas colónias.

No terceiro período, de 1965 a 1975, as acções soviéticas na África foram principalmente de cunho diplomático e assistencial, e a URSS assinou dezenas de acordos com as jovens nações africanas com vistas a fornecer ajuda a estes países. Esse auxílio se concentrou principalmente nas áreas de ensino e pesquisa. Dessa forma, cerca de 30.000 africanos foram estudar na URSS, ao mesmo tempo em que professores e pesquisadores soviéticos eram enviados para a África com o objectivo de ensinar e desenvolver centros de pesquisas nas universidades do continente (THIAM; MULIRA, 2011).

Finalmente, no quarto período, diante da derrota dos EUA no Vietnã, reduziu-se a interferência daquele país na África. Dessa forma, a URSS procurou ampliar sua influência, dando ênfase à luta em países cuja libertação completa sofria grave ameaça, tendo em vista a existência de movimentos guerrilheiros que defendiam a submissão económica aos norte-americanos, como é o caso de Angola. Também a resistência ao racismo, como a luta do CNA contra o regime de apartheid na África do Sul, recebeu apoio da URSS.

 

3.      Conclusão

Com a realização do presente trabalho foi possível perceber que os processos de independência na África se iniciaram no início do século XX, com a independência do Egipto. No entanto, somente após Segunda Guerra Mundial, com as potências europeias enfraquecidas, os países africanos alcançaram a independência. As populações dos países africanos foram convocadas para participar do esforço de guerra e muitos lutaram no conflito. Ao terminar, imaginaram que teriam mais autonomia, porém não foi isso que aconteceu. O colonialismo continuou como antes da guerra. Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a ONU passa a pressionar as potências imperialistas para que ponham fim à colonização. Igualmente, o mundo vivia a Guerra Fria, a disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos (capitalismo) e URSS (socialismo). Ambos os países apoiavam o lado rebelde que mais se aproximava às suas ideias a fim de cooptá-los para sua esfera de influência. Do mesmo modo, as ideias pan-africanistas conquistavam o continente africano com seu pensamento pela unidade africana.

 

4.      Referências bibliográficas

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·         Spencer, Herbert (1963). El hombre contra el Estado. Buenos Aires: Aguilar.

·         Thiam, Iba Der; MulirA, James (2011). A África e os países socialistas In: Mazrui, Ali A.; Wondji, C. (Org.). História geral da África: África desde 1935. São Paulo/Brasília: Cortez/UNESCO, v. 8, cap. 27.

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