Índice
2.1. A exploração do continente e os abalos no sistema colonial
2.2. O surgimento de uma consciência africana: a concepção
pan-africana
2.3. Evolução do movimento pan-africanista: a acção de
missionários
2.4. O desenvolvimento da ideologia pan-africanista
2.5. A expansão do movimento pan-africanista
2.6. O socialismo e o processo de independência das colónias
africanas
O
presente trabalho tem como tema a Descolonização Africana, pois quando uma
colónia consegue recuperar sua independência ocorre o processo de descolonização.
Isto pode acontecer devido a um acordo entre a terra colonizada e um partido
político ou por uma luta organizada para livrar a colónia de seus exploradores.
Exemplos desta batalha são as frentes organizadas por Che
Guevara e Fidel Castro na América
Latina e as acções de Gandhi
na Índia. No primeiro caso houve luta armada, já no segundo a libertação deu-se
pela insistência ideológica de seu líder, Gandhi, que optava por não fazer uso
da violência. Nas paginas a seguir veremos o conteúdo de forma mais detalhado
de modo a facilitar a compreensão do mesmo.
Ø Compreender a descolonização Africana.
Ø Descrever
a exploração do continente e os abalos no sistema colonial;
Ø Explicar
o surgimento de uma consciência africana: a concepção pan-africana;
Ø Ilustrar
a evolução do movimento pan-africanista: a acção de missionários;
Ø Especificar
o desenvolvimento da ideologia pan-africanista;
Ø Mostrar
a expansão do movimento pan-africanista;
Ø Caracterizar
socialismo e o processo de independência das colónias africanas.
Para fazer face a realização do
trabalho foi necessário a consulta de fontes de modo a adquirir informações que
versam sobre o conteúdo em estudo.
As tais fontes incluem manuais físicos que se referem a livros e trabalhos
realizados anteriormente e manuais electrónicos adquiridos por via da internet
e os seus respectivos indicadores estão presentes na última página do trabalho,
onde estão pontuados como referências.
2.1. A exploração do continente e os abalos no sistema colonial
Desde
o século XV, quando se iniciou a penetração europeia na África, até o século
XIX, quando ocorreria a efectiva partilha do território, o continente foi-se
integrando à economia mundial. Nos primeiros tempos, não houve o
estabelecimento de um controle directo sobre as actividades cotidianas dos
africanos, ocorrendo apenas contactos que permitiam à Europa se beneficiar das riquezas
extraídas, principalmente por intermédio do tráfico negreiro, que se tornou um
dos sectores mais importantes do comércio mundial. A integração se daria,
portanto, de forma periférica e dependente em relação à economia europeia.
Somente a partir do final do século XIX, quando ocorreu efectivamente a
partilha da África, a dominação se imporia de maneira irrefutável (DESCHAMPS,
1961).
As
formas e os instrumentos pelos quais a Europa afirmou seu predomínio,
entretanto, atravessariam diversas fases, determinadas, em grande medida, pela
própria evolução dos acontecimentos no continente europeu. Assim, o período
compreendido entre a década de 1880 e o final da Primeira Guerra Mundial, em
1918, pode ser considerado como a primeira etapa da imposição da dominação.
Nessa ocasião, o colonialismo e as transformações dele decorrentes foram introduzidos
de forma gradual, embora sempre de maneira violenta. Num primeiro momento, isto
é, entre 1880 e 1900, deu-se a conquista efectiva do território e a sujeição
militar. Já na etapa subsequente, ou seja, de 1900 a 1918, verificou-se a
necessidade de delimitar os territórios pertencentes a cada uma das metrópoles,
bem como estabelecer a ocupação efectiva (FREUND, 1998).
A
segunda fase da dominação é aquela em que se deu a consolidação da economia
colonial, estendendo-se de 1918 - quando ocorreu a segunda partilha da África,
dado que a administração dos territórios germânicos foi transferida a outros
países em virtude da derrota alemã ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
Num primeiro período, entre 1920 e 1930, a economia colonial adquiriria
capacidade de se desenvolver por meio de impulsos endógenos, e foi
caracterizada pela adopção de um sistema monetário, pela formação de monopólios
e cartéis e pela imposição de normas tributárias que atingiam a maior parte da
população das colónias. Já na fase compreendida entre o colapso de 1929 e o
final da guerra, época em que as economias metropolitanas procuravam obter
recursos para superar a depressão mundial, ocorreria uma piora significativa
das condições de vida dos povos das colónias, com o recrudescimento da coerção
e a redução dos serviços sociais.
Finalmente,
no período posterior à Segunda Guerra Mundial, e com o objectivo de aprofundar o
sistema de exploração colonial, ao mesmo tempo em que se procurava conter os
crescentes movimentos nacionalistas, as metrópoles buscaram elaborar planos de
desenvolvimento para o continente africano. Houve, nessa época, um aumento da
participação das colónias na economia mundial, embora as tensões políticas se
avolumassem.
O
primeiro grande abalo no sistema colonial ocorreu no período compreendido entre
1914 e o fim da Segunda Guerra Mundial. O morticínio das duas grandes guerras,
permeado pelo advento da Revolução Russa, em 1917, pela depressão iniciada em
1929 e pelo avanço do nazi-fascismo, provocou uma fractura na confiança
anteriormente depositada na suposta missão civilizatória europeia. Por outro
lado, a destruição dos países europeus, sobrepujados economicamente pelos Estados
Unidos (EUA), levou ao declínio da capacidade das antigas potências de manterem
integralmente o domínio colonial.
Todavia,
e apesar de destruídas pelo conflito, as nações europeias retomariam, após a Segunda
Guerra Mundial, a justificativa anteriormente apresentada para a dominação,
isto é, a de que os brancos teriam como missão levar a civilização ocidental a
povos que supostamente ainda viviam em situação de barbárie. Mas o próprio
sistema colonial havia provocado mudanças profundas nas colónias, gerando
contradições difíceis de serem superadas. De fato, a criação de um sistema
educacional nas colónias africanas havia engendrado o surgimento de uma elite
educada, que não mais se conformava com a situação de dominação.
Por
outro lado, a introdução de elementos modernizadores - tais como meios de
transporte (rodovias e ferrovias), novas técnicas agrícolas e de mineração,
aproveitamento de fontes diversas de energia, instalação de indústrias,
expansão da economia monetária e de mercado, a busca por mão de obra assalariada
e a propagação do cristianismo -, havia provocado modificações profundas na
economia e na sociedade africanas, gerando demandas até então inexistentes. A
partir dessas alterações, os próprios africanos passaram a querer realizar
mudanças, criando-se as condições para o desenvolvimento do nacionalismo.
Na
década de 1950, com o avanço dos movimentos nacionalistas e o acirramento dos conflitos,
além da necessidade de orientar os gastos para a reconstrução europeia, os
dirigentes metropolitanos perceberam que não mais havia vantagem em ignorar as
pretensões à independência, principalmente levando-se em conta o fato de que os
objectivos iniciais que levaram à construção dos impérios coloniais haviam sido
plenamente atingidos.
Depois
de décadas de colonialismo, as empresas europeias já detinham o pleno controle
dos mercados e dos recursos africanos, podendo deles se aproveitar em benefício
próprio e de seus aliados. Por outro lado, e dada a imensa defasagem
tecnológica, era evidente que esse aproveitamento era quase inevitável e
irreversível, e a tentativa de manter a dominação pela força somente reduziria
os potenciais benefícios económicos. Verificou-se, pois, que o processo de
independência foi resultado da confluência entre a pressão exercida pelos
movimentos nacionalistas de um lado, e o desinteresse e/ou a incapacidade de as
metrópoles manterem o jugo, de outro.
Os
benefícios de manter o poder se tornaram duvidosos, a partir do momento em que
a Europa se recuperou economicamente na década de 1950. Os tecnocratas
franceses começaram a pensar nas colónias meramente como complementos para os sectores
mais dinâmicos da indústria. Os oficiais britânicos concluíram, em 1957, que
faria pouca diferença se as colónias se tornassem independentes. Muitos homens
de negócios concordaram: sua prioridade era ter boas relações com quem quer que
estivesse no poder. Na década de 1950, portanto, era desvantajoso resistir ao
nacionalismo (ILIFFE, 1995).
E
nesse processo, dois conjuntos de ideias seriam extremamente relevantes: o
primeiro deles diz respeito ao surgimento de uma consciência africana, por meio
do desenvolvimento do pan-africanismo. O segundo refere-se à difusão das ideias
socialistas, que apontavam para uma perspectiva de libertação dos povos
oprimidos desde o advento da Revolução Russa, bem como ao auxílio da União
Soviética (URSS) nas lutas pela independência do continente. Passemos, pois, a uma
breve análise da organização do movimento pan-africanista.
2.2. O surgimento de uma consciência africana: a concepção
pan-africana
Conforme
assinalado anteriormente, a compreensão do processo de independência das colónias
africanas deve considerar o desenvolvimento das ideias contidas no
pan-africanismo, além de ter em conta também a questão do racismo. Com efeito,
a violência da dominação só pode se justificar, do ponto de vista ideológico,
pela ideia da superioridade de um povo em relação a outro e, portanto, da
necessidade de civilizar. Como bem assinalou Albert Memmi, “o racismo faz
parte de todos os colonialismos em todas as latitudes. Não é uma coincidência:
o racismo resume e simboliza a relação fundamental que une colonialista e
colonizado” (MEMMI, 1967).
Os
espanhóis já haviam feito isso no início do século XVI, com relação à conquista
e ao extermínio das populações indígenas da América (FERRO, 1996).
Do
mesmo modo, foi isso que fizeram os europeus a partir do final do século XIX.
Contudo, é preciso diferenciar alguns aspectos do racismo dos espanhóis em
relação aos indígenas no século XVI, e aquele assumido pelos europeus no século
XIX para justificar a dominação da África. Os primeiros procurariam respaldo predominantemente
na religião católica e na necessidade de levar aos selvagens o conhecimento da verdadeira
fé e do Deus cristão. Quanto aos segundos, fundamentariam suas concepções num suposto
cientificismo, que tem como um de seus maiores expoentes Herbert Spencer
(SPENCER, 1963).
Para
ele, as ideias de Charles Darwin comprovariam a superioridade dos europeus, que
haviam se mostrado mais aptos na luta pela sobrevivência. Porém, é preciso
frisar que, tanto nos espanhóis do século XVI como nos europeus do século XIX,
há um forte componente racista. A raça foi uma tentativa de explicar a
existência de seres humanos que ficavam à margem da compreensão dos europeus, e
cujas formas e feições de tal forma assustavam e humilhavam os homens brancos,
imigrantes ou conquistadores, que eles não desejavam mais pertencer à mesma
comum espécie humana.
Na
ideia de raça encontrou-se a resposta dos boeres à ‘monstruosidade’ esmagadora
da descoberta na África todo um continente povoado e abarrotado de selvagens. Dessa
ideia resultaram os mais terríveis massacres da história: o extermínio das
tribos hotentotes pelos boeres, as selvagens matanças de Carl Peters no Sudeste
Africano Alemão, a dizimação da pacata população do Congo reduzida de uns 20
milhões para 8 milhões; e, o que é pior, a adopção desses métodos de
‘pacificação’ pela política externa europeia (ARENDT, 1989).
Como
se vê, no período compreendido entre o final do século XIX e o início do século
XX, há, no mundo ocidental, uma profunda contradição entre as ideias de
liberdade e igualdade, nascidas no bojo da Revolução Francesa, e as
justificativas empreendidas para a dominação, baseadas no darwinismo social.
Porém,
“se
o argumento da desigualdade é fundado na raça, essa ideia torna-se primordial
para unir os que, embora assemelhados por sua origem, apresentam especificidades
históricas particulares” (HERNANDEZ, 2002).
E
é isso que explica o surgimento do movimento pan-africanista, para o qual
haveria uma identidade entre todos aqueles com uma origem comum, no caso, a
“Mãe África”. Assim, no período compreendido entre 1880 e 1935, ocorreu o
desenvolvimento da ideia de uma ligação profunda entre africanos e negros
americanos, que se manifestaria em diversos movimentos:
1)
retorno de negros para o território de seus antepassados, ou seja, a África; 2)
evangelização dos povos africanos, conduzido por missionários norte-americanos;
3) matrícula de estudantes africanos em escolas e universidades americanas para
negros; 4) contacto de africanos com o mundo negro na América; e 5)
persistência e transformação de valores culturais africanos na América.
2.3. Evolução do movimento pan-africanista: a acção de
missionários
Uma
das primeiras manifestações dessa ligação entre africanos e negros americanos
data da década de 1860, quando Alexander Crummell (1819-1898), um padre negro
norte-americano que havia emigrado para a Libéria, discursou perante uma
comunidade afro-americana sobre A língua inglesa na Libéria, afirmando
que “os africanos ‘exilados’ pela escravidão no Novo Mundo haviam recebido
da divina providência (...) a compensação da posse da língua inglesa” (APPIAH,
1997).
No
discurso, Crummell demonstrava uma profunda admiração pela cultura do branco colonizador,
cuja língua considerava um legado extremamente benéfico. Para ele que havia
sido educado dentro dos marcos da sociedade norte-americana, e cuja formação
estava profundamente impregnada pelos valores do cristianismo, a África
continuava a ser vista como pagã e selvagem, e todos os seus problemas se
resolveriam pela adopção da fé cristã.
No
entanto, Crummell entendia haver um destino comum para os povos da África, pelo
simples fato de que pertenciam a uma mesma raça. Segundo ele, as raças, como as
famílias, são organismos e ordenações de Deus; e o sentimento racial tal como o
sentimento familiar, é de origem divina. A extinção do sentimento racial é tão possível
quanto a extinção do sentimento familiar. Na verdade, a raça é uma família
(APPIAH, 1997).
Portanto,
o que tornava a África uma unidade era o fato de ela ser a pátria dos negros.
Essas ideias também foram desenvolvidas pelo padre Edward Wilmot Blyden
(1832-1912), educador, escritor e diplomata antilhano, que adoptara a Libéria
como pátria. Para Blyden, os africanos são povos que mantêm grande identidade
com os ocidentais, e podem e devem ser cristianizados, pois não há uma tribo no
continente da África, apesar da opinião quase universal em contrário, apesar
dos fetiches e amuletos que muitas delas supostamente adoram não há, afirmo, uma
única tribo que não levante as mãos para o Grande Criador. Não há ateus nem agnósticos entre eles
(APPIAH, 1997).
Em
1889, Blyden foi aos EUA, em nome da American Colonization Society (ACS),
para conseguir apoio à emigração de negros norte-americanos para a Libéria. E,
entre 1880 e 1900, o bispo norte-americano Henry McNeal Turner (1834-1915)
procurou combinar a ideia de necessidade de emigração para a África com o
trabalho missionário de evangelização. Segundo Turner, dois ou três milhões dos
nossos deveriam retornar à terra dos antepassados, nela estabelecer nossas
principais nações, civilizações, leis, costumes, modos de produção e parar de resmungar,
de estar sempre recriminando e de ameaçar o país que o homem branco reivindica
e que necessariamente dominará (RALSTON; MOURÃO, 1991).
Houve
ainda outras iniciativas no mesmo sentido, promovidas, em sua maioria, por
líderes religiosos ligados a igrejas protestantes. Uma delas foi a criação, em
1884, da African Methodist Episcopal Church (AME), que realizou diversos
congressos sobre a política dos negros americanos em relação à África, além de
enviar missionários negros para o continente durante todo o período colonial.
Do mesmo modo, em 1896 a Igreja Presbiteriana passou a mandar missionários para
Camarões.
Também
o Reverendo William Henry Sheppard (1865-1927), formado pelo Hampton Institute,
procurou incentivar a ida de pastores para o Congo, enquanto os Adventistas do
Sétimo Dia enviaram missionários para a Niassalândia. Já na África do Sul, os
missionários procuravam matricular negros em escolas americanas, fornecendo
também ajuda financeira com o objectivo de promover sua integração na
sociedade.
2.4.O
desenvolvimento da ideologia pan-africanista
Essas
actividades constituiriam a base para a articulação de uma ideologia
pan-africanista. No entanto, o primeiro grande ideólogo do movimento foi
William Edward Burghardt Du Bois (1868-1963), professor de grego e latim
norte-americano, para quem “devemos reconhecer que os seres humanos se
dividem em raças”. Segundo ele, a raça “é uma vasta família de seres
humanos, em geral de sangue e língua comuns, sempre com uma história, tradições
e impulsos comuns, que lutam juntos (...) pela realização de alguns ideais de
vida” (APPIAH, 1997).
Vê-se,
portanto, que a ideia de raça não mais correspondia a uma concepção biológica,
mas sim sócio histórica. Assim, cada uma das raças teria uma mensagem para a
humanidade. E a raça negra teria o dever de transmitir a sua mensagem, motivo
pelo qual todos aqueles de origem africana deveriam trabalhar para cumprir essa
tarefa. Para Du Bois, o povo negro, como raça, tem uma contribuição a dar à
humanidade que nenhuma outra raça pode dar. Cremos no dever dos
norte-americanos de ascendência negra, como um corpo, de manter sua identidade
racial, até que se cumpra essa missão do povo negro e que o ideal da
fraternidade humana tenha-se tornado uma possibilidade prática (APPIAH, 1997).
Dessa
forma, era imprescindível a emigração para a África e a interacção entre
africanos e negros da América. A partir de então, várias entidades destinadas a
promover a emigração de afroamericanos foram criadas, dentre as quais se
destacam a African Development Society e a International Migration
Society (IMS). O objectivo da primeira era estimular afro-americanos a adquirirem
terras e se fixarem na África Centro-Oriental. Já a IMS, enviou cerca de 500
emigrantes para o continente. Contudo, muitos deles retornaram à América com
relatos sobre as más condições de vida na África, o que acabou por desestimular
os movimentos de apoio à emigração.
Apesar
disso, a partir de 1900 houve ainda novas tentativas de retomar a bandeira da
emigração, inclusive com a criação de periódicos, como é o caso da revista The
Crisis. E, entre 1919 e 1923, Du Bois daria novo impulso ao movimento
pan-africanista, com a organização de diversos congressos internacionais. Todavia,
a principal iniciativa seria tomada pelo empresário e advogado jamaicano Marcus
Mosiah Garvey (187-1940), que conquistaria milhões de negros americanos para a
causa africana depois da Primeira Guerra Mundial.
Sua
mobilização ocorreu com a leitura de Up from slavery, de autoria de
Booker Tagliaferro Washington (1856-1915), educador e fundador do Tuskegee
Institute, escola surgida no Alabama (EUA) com o objectivo de educar os
ex-escravos e seus filhos, e do encontro com Dusé Mohammad Ali (1866-1945),
intelectual e actor sudanês, autor de In the land of Pharaos, e que
fazia acerbas críticas às políticas inglesa e norte-americana em relação à
África. A partir dessas experiências, Marcus Garvey criaria, em 1914, a
Associação Universal para o Progresso Negro (UNIA), cujo principal objectivo
era promover a emigração como forma de redenção dos negros.
Somos
descendentes de um povo sofrido. Somos os descendentes de um povo decidido a não
mais sofrer. Não queremos o que pertenceu aos outros, embora os outros sempre tenham
procurado privar-nos daquilo que nos pertencia. As outras raças têm seus próprios
países e é tempo de que os 400 milhões de negros reivindiquem a África para si próprios
(RALSTON; MOURÃO, 1991).
2.5. A expansão do movimento pan-africanista
Os
contactos frequentes entre africanos e negros americanos levariam à expansão do
pan-africanismo, com sua transformação em movimento político organizado. Assim,
no período compreendido entre 1880 e 1940, houve um intenso intercâmbio
cultural, com grande número de alunos das colónias britânicas na África que
foram estudar em escolas americanas. Os empresários coloniais incentivavam, na
prática, a ida desses estudantes para os EUA, com o objectivo de que adquirissem
formação adequada para, de volta à pátria de origem, tornarem-se quadros
técnicos e mão de obra especializada (DECRAENE, 1961).
E,
apesar de vários desses estudantes, em seu retorno à África, terem entrado em
choque com os compatriotas, muitos se transformariam em grandes lideranças
nacionalistas, aderindo aos movimentos pela independência. Dessa forma, pouco a
pouco ocorreria um processo de reafirmação da cultura negra, tanto na Europa
como nas Antilhas e na própria África Ocidental, o que levaria ao surgimento do
conceito de negritude. Essa ideia tomaria impulso principalmente a partir de acções
de africanos e antilhanos francófonos e anglófonos.
Os
líderes da negritude passariam, então, a desenvolver a noção de que existe um
movimento histórico e cultural a partir de uma solidariedade racial entre os
negros e que, portanto, todos os africanos e os povos de origem africana têm um
património cultural comum, motivo pelo qual deveriam ser reforçados os laços
entre os integrantes do mundo negro. Dentre os principais expoentes do
movimento da negritude, destacam-se: Aimé Fernand David Césaire (1913-2008),
escritor, poeta e político martinicano; Camara Laye (1928-1980), escritor da
Guiné; Festus Claudius “Claude” McKay (1889-1948), poeta jamaicano; e
Léopold-Sédar Senghor (1906-2001), poeta e escritor do Senegal, primeiro
presidente do país (1960-1980), e um dos fundadores do movimento da negritude.
As
obras desses escritores e políticos constituiriam um grande marco para o avanço
do movimento da negritude. No caso de Aimé Césaire, cujo texto mais conhecido é
Cahiers d’um retour au pays natal, a poesia é entendida como instrumento
de volta às fontes da negritude. Propõe, para isso, a libertação dos negros das
formas tradicionais da cultura ocidental. Do mesmo modo, Camara Laye, cuja
principal obra é L’enfant noir, evoca o retorno aos costumes
tradicionais, enquanto Claude McKay, autor do poema Se temos de morrer,
propõe a unificação do pan-africanismo cultural e político, desenvolvendo a
ideia de que os negros devem tomar consciência de seus sofrimentos comuns,
lutar contra eles e afirmar sua dignidade.
Quanto
a Léopold-Sédar Senghor, mostrou-se um dos grandes articuladores da luta contra
o domínio europeu e pelo fim do colonialismo que, se trouxeram alguns
benefícios da modernidade, também foram responsáveis pela exploração e pela
pilhagem do continente durante mais de 300 anos. Segundo ele, certamente a
África Negra é um país de fraca densidade; e sem dúvida que sob a acção eficaz
do Serviço de Saúde, a cifra de sua população sobe, como um jovem bambu.
“O
que se esquece é que esta terra foi, durante três séculos, entregue à
sanguinária cupidez dos ‘negreiros’ esclavagistas; e que, sob a acção mortífera
do branco, dez milhões de seus filhos foram deportados para as Américas e
outras regiões; que duzentos milhões morreram nas caçadas ao homem. O que se
esquece, de um modo geral, é que cada ‘benefício da colonização’ teve seu
reverso. Deste modo, as usinas, as minas, as estradas de ferro, revelaram-se os
melhores propagadores das doenças. Falarei também dos camponeses senegaleses
que permitem às grandes companhias lucros anuais de centenas de milhões de
francos-ouro, sem outros resultados para eles mesmos que não sejam os de
empobrecer suas terras e continuarem tão miseráveis quanto há 50 anos”
(SENGHOR, 1961).
É
importante ressaltar também o papel exercido por Frantz Omar Fanon (1925-1961),
psiquiatra, cientista político e filósofo marxista francês de origem
martinicana, que se destacaria como um dos principais teóricos do
anticolonialismo. Fanon rejeitava o conceito de negritude, sustentando que o status
de uma pessoa depende de suas condições económicas e sociais. Acreditava
que a violência era a única forma de liquidação da opressão colonial e do
trauma cultural do Terceiro Mundo, constituindo uma força de limpeza uma vez
que libertava o nativo do seu complexo de inferioridade, do seu desespero e da
sua inacção, eliminando-lhe o medo e restaurando-lhe o auto-respeito.
Para
ele, durante séculos os capitalistas comportaram-se no mundo subdesenvolvido
como verdadeiros criminosos de guerra. As deportações, os massacres, o trabalho
forçado, a escravidão foram os principais meios empregados pelo capitalismo
para aumentar suas reservas de ouro e diamantes, suas riquezas, e para afirmar
seu poderio. Há pouco tempo, o nazismo transformou a totalidade da Europa em
verdadeira colónia. Os governos das diferentes nações europeias exigiram
reparações e reclamaram a restituição em dinheiro e em género das riquezas que
lhes tinham sido roubadas.
Igualmente,
dizemos que os Estados imperialistas cometeriam um grave erro e uma injustiça
inqualificável se se contentassem em retirar de nosso solo as cortes militares,
os serviços administrativos e de intendência, cuja função era descobrir
riquezas, extraí-las e expedi-las para as metrópoles. A reparação moral da
independência nacional não nos cega, não nos alimenta. A riqueza dos países
imperialistas é também nossa riqueza (FANON, 1979).
2.6. O socialismo e o processo de independência das colónias
africanas
Como
se viu, o movimento pan-africanista ganhou força a partir da década de 1920, e representou
uma enorme contribuição para o desenvolvimento do nacionalismo africano, que se
intensificaria depois da Segunda Guerra Mundial, culminando com a independência
da maioria dos territórios num curto período, que se estendeu de 1957 a 1968.
No entanto, para compreender esse processo, é necessário considerar também o
papel dos movimentos socialista e comunista internacionais e a contribuição da
URSS para a vitória da luta pela libertação. Nesse sentido, e como salientou
Yves Person, a primeira pergunta que se deve fazer é:
“como
falar do socialismo num continente exclusivamente agrícola, sem proletariado
nem capitalismo nacional, fora do caso marginal da África do Sul, e onde as
classes sociais nem sempre estavam diferenciadas?” (PERSON,
1984, p. 729).
A
esse respeito, o autor lembra que Marx havia admitido a possibilidade de a
Rússia passar directamente da comunidade rural para o socialismo, o que
acabaria se confirmando com a vitória da revolução de 1917. De outra parte, os
africanos não se conformavam com a perspectiva de assistir à exploração
colonial como algo inevitável, elaborando, então, a “teoria de um socialismo
africano que se desenvolveria naturalmente a partir das mentalidades e das
estruturas originais das sociedades tradicionais, corroídas mas não obliteradas
pela colonização” (PERSON, 1984, p. 729).
Yves
Person ressalta, porém, que o socialismo é uma doutrina desenvolvida
essencialmente na Europa, onde havia um operariado já constituído e, em grande
parte, organizado. E foi exactamente a colonização que possibilitou a sua
introdução na África, onde penetrou por meio de intelectuais africanos que
haviam estudado na Europa ou tido contacto com a cultura ocidental, e que eram,
em relação às tradições africanas, já bastante desenraizados. Em consequência,
a sua difusão no continente se daria por intermédio de movimentos
nacionalistas, como o pan-africanismo e a negritude, estes também baseados em
sistemas filosóficos europeus (PERSON, 1984).
Esses
intelectuais iriam tentar adaptar a teoria socialista à realidade do
continente. Com este objectivo, procurariam demonstrar que, na verdade,
tratava-se de actualizar antigas tradições africanas. Assim, para os principais
teóricos de um “socialismo africano”, entre os quais se destacam Léopold-Sédar Senghor,
Kwame Nkrumah e Julius Nyerere, além de algumas lideranças que procuraram
colocar em prática essas ideias, como Amílcar Cabral e Sekou Touré, “a
tradição africana predispõe para o socialismo, em virtude do carácter ‘colectivista’
das suas sociedades” (PERSON, 1984).
Yves
Person, contudo, aponta algumas questões importantes a respeito desta
“predisposição” africana para o socialismo. Primeiramente, salienta o fato de
que, no conjunto da África negra, em geral com baixa densidade populacional, a
posse da terra era colectiva, e a unidade de produção coincidia com a unidade
social básica (família ou linhagem). Assim, embora não existissem classes definidas
de acordo com sua posição no processo de produção, havia desigualdades,
baseadas em idade e sexo.
O
autor destaca ainda que, nas regiões onde existia o Estado, este não intervinha
directamente na produção, apenas cobrava tributos em produtos ou trabalho das
comunidades, que permaneciam autónomas. No entanto, é preciso lembrar que, a
despeito de não haver apropriação da terra no sentido estrito, havia
apropriação dos homens, por meio da escravidão. De outro lado, o comércio de
longa distância era monopolizado por minorias socioprofissionais ou étnicas, e
apesar de não haver interferência na produção, ocorreu, em certa medida, o
desenvolvimento de uma mentalidade “capitalista”, que teria importante efeito
social e cultural.
Diante
dessas questões, os africanistas marxistas acabaram por concluir que não havia possibilidade
de identificar esse tipo de organização económica e social com o chamado “modo
de produção asiático”, criando categorias como “modo tributário de produção” ou
“modo de produção de linhagem”. No entanto, segundo Person, estas ideias
estavam, na verdade, baseadas numa idealização da África antiga (PERSON, 1984),
e o chamado “socialismo africano” acabou por se desenvolver mesclado ao
movimento nacionalista, com raízes muito fortes no pan-africanismo e na
negritude.
De
outra parte, há que se levar em conta também a contribuição da URSS e dos
países socialistas na luta pela libertação das nações africanas. Com efeito,
desde a vitória da Revolução Russa, a URSS procurou apoiar os processos de
independência de todos os países colonizados, desenvolvendo uma política de
ajuda directa ou indirecta. Segundo Iba Der Thiam e James Mulira, no caso da
África, esse apoio pode ser dividido em quatro períodos: a) 1917-1945, em que
houve uma influência indirecta, por meio dos partidos comunistas europeus e do
movimento pan-africanista; b) 1945-1965, apoio directo ou indirecto aos
movimentos de independência e ao estabelecimento dos novos Estados no continente;
c) 1965-1975, período em que predominaram acções diplomáticas; e d) a partir de
1975, em que a derrota dos EUA na Guerra do Vietnã levou ao enfraquecimento de
sua capacidade de intervenção no continente africano e possibilitou um reforço
da influência soviética em algumas regiões, como é o caso de Angola (THIAM;
MULIRA, 2011).
Os
africanos foram estimulados a integrar uma frente anti-imperialista, e o
Komintern procurou estabelecer relações com as primeiras organizações de carácter
nacionalista surgidas no continente, tais como o Congresso Nacional da África
Ocidental Britânica, a Associação Central Kikuyo ou o Congresso Nacional
Africano (CNA). Note-se, porém, que dada a quase inexistência de uma classe
operária africana na época, o Komintern reconhecia que esses movimentos eram
dirigidos por sectores progressistas da burguesia (THIAM; MULIRA, 2011).
Ademais,
a URSS procurou se aproximar de negros norte-americanos e antilhanos, participantes
do movimento pan-africanista, bem como dos partidos comunistas das metrópoles
com o objectivo de difundir o socialismo. O Partido Comunista Francês (PCF)
teve papel importante nessa difusão, levando ao aumento da participação de
africanos no movimento comunista internacional. E, com vistas a promover a
formação ideológica e política, foi criada em Moscou, em 1930, a escola Stalin
de preparação de quadros marxistas.
Quanto
ao Partido Comunista Britânico (BCP), teve influência na formação de africanos
que estudaram na Inglaterra, tais como Jomo Kenyatta, do Quênia, e Kwame
Nkrumah, da Costa do Ouro, que, no futuro, teriam papel de destaque nos
movimentos de independência de seus países. Já na África lusa, o Partido
Comunista Português (PCP) formou vários intelectuais marxistas africanos, entre
os quais destacam-se Agostinho Neto, fundador do Movimento Popular de Libertação
de Angola (MPLA), e Amílcar Cabral, que liderou a organização do Partido
Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) (Thiam; Mulira,
2011).
Na
segunda fase, ou seja, de 1945 a 1965, verificou-se um grande avanço do
movimento nacionalista africano e do anticolonialismo. A URSS contribuiu para o
sucesso desses movimentos, inclusive do ponto de vista do estímulo aos estudos
sobre a História da África. Tanto assim que o Instituto Etnográfico de
Leningrado, actual São Petersburgo, passou a desenvolver um programa sistemático
de pesquisa, publicando toda a documentação conhecida sobre a África subsaariana
a partir do século XI.
O
apoio da URSS aos movimentos de libertação da África ficaram explícitos nas
resoluções adoptadas tanto no XXI Congresso do Partido Comunista da União
Soviética (PCUS), em 1959, quanto no seu XXII Congresso, em 1961. Essas
decisões coincidiram com uma forte investida diplomática da URSS perante a Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 1960, quando apresentou
proposta de resolução – que foi adoptada em 1961 -, pela qual todas as metrópoles
eram convocadas a conceder independência às suas colónias.
No
terceiro período, de 1965 a 1975, as acções soviéticas na África foram
principalmente de cunho diplomático e assistencial, e a URSS assinou dezenas de
acordos com as jovens nações africanas com vistas a fornecer ajuda a estes
países. Esse auxílio se concentrou principalmente nas áreas de ensino e
pesquisa. Dessa forma, cerca de 30.000 africanos foram estudar na URSS, ao mesmo
tempo em que professores e pesquisadores soviéticos eram enviados para a África
com o objectivo de ensinar e desenvolver centros de pesquisas nas universidades
do continente (THIAM; MULIRA, 2011).
Finalmente,
no quarto período, diante da derrota dos EUA no Vietnã, reduziu-se a interferência
daquele país na África. Dessa forma, a URSS procurou ampliar sua influência,
dando ênfase à luta em países cuja libertação completa sofria grave ameaça,
tendo em vista a existência de movimentos guerrilheiros que defendiam a
submissão económica aos norte-americanos, como é o caso de Angola. Também a
resistência ao racismo, como a luta do CNA contra o regime de apartheid na
África do Sul, recebeu apoio da URSS.
Com
a realização do presente trabalho foi possível perceber que os processos
de independência na África se iniciaram no início do século XX, com a
independência do Egipto. No entanto, somente após Segunda Guerra Mundial, com
as potências europeias enfraquecidas, os países africanos alcançaram a
independência. As populações dos países africanos foram convocadas para
participar do esforço de guerra e muitos lutaram no conflito. Ao terminar,
imaginaram que teriam mais autonomia, porém não foi isso que aconteceu. O
colonialismo continuou como antes da guerra. Depois do fim da
Segunda Guerra Mundial, a ONU passa a pressionar as potências imperialistas
para que ponham fim à colonização. Igualmente, o mundo vivia a Guerra Fria,
a disputa pela hegemonia mundial entre Estados Unidos (capitalismo) e URSS
(socialismo). Ambos os países apoiavam o lado rebelde que mais se aproximava às suas
ideias a fim de cooptá-los para sua esfera de influência. Do mesmo
modo, as ideias pan-africanistas conquistavam o continente africano com seu
pensamento pela unidade africana.
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